sexta-feira, 1 de junho de 2018

Escândalo

Francisco Paes de Barros

Há de se encontrar uma ideologia que substitua a ideologia da sociedade capitalista ou burguesa. Liberalismo e marxismo são ideologias irmãs da mesma cultura materialista do mundo moderno. Pensar assim talvez seja utopia. Acredito nos princípios da ideologia católica.

A ideologia católica tem como princípio defender a dignidade humana. Outro princípio é no sentido de garantir uma dimensão ética para a economia. E isso contraria a ideologia liberal, que defende a não intervenção do conceito de moralidade no processo econômico. Um outro princípio, tão importante quanto os dois anteriores, é pela necessidade de o Estado intervir na questão social e econômica, ajudando os cidadãos mais pobres.



Não se pode esquecer nunca de que a economia está a serviço do bem comum de todas as pessoas. Na economia, o mercado sempre existiu. Mas o capitalismo o transformou em um instrumento de apartheid. Discrimina, humilha o homem que não tem poder aquisitivo. Leva muita gente à pobreza extrema. E os que têm poder aquisitivo para sobreviver, muitas vezes são obrigados a recorrer às instituições financeiras que os exploram com juros escorchantes, levando-os também à pobreza extrema.



Estamos cansados de ver, na mídia, publicidade de instituições financeiras oferecendo créditos aos pobres, inclusive cartões de crédito e cheque especial. No Brasil, dificilmente se encontra alguém que não tenha cartão de crédito.



Cartão de crédito substituiu o dinheiro em espécie. Os ricos usam bem o cartão, pagando suas faturas no dia do vencimento. Os pobres que atrasam seus pagamentos num mês são obrigados a pagar – quando podem – juros exorbitantes, imorais e indecentes. Tudo acontece sob a indiferença dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. E da sociedade civil. O Estado, que deveria protegê-los, é omisso. No campo da moral, esses juros são uma afronta à dignidade humana. Os juros nas instituições bancárias e de crédito são abusivos.



A sociedade, que tem protestado com veemência contra os desmandos de políticos e de empresários corruptos, e o faz muito bem, é indiferente à prática desses juros escandalosos. Não vi nem ouvi nenhum panelaço contra esse “assalto” que acontece à vista de todos os cidadãos. Os mais pobres são massacrados.



Não se sustenta o argumento de que a pessoa é livre e tem absoluta liberdade para usar ou não o cartão de crédito. Não concordo, pois o pobre vem sendo vítima de uma autêntica lavagem cerebral. A propaganda maciça oferecendo crédito ao cidadão veiculada na mídia é de uma frequência enorme. Outro aspecto da questão: a facilidade impressionante para se obter o cartão de crédito. As instituições financeiras se defendem, alegando que cobram juros enormes devido ao risco de elas receberem um calote muito grande. Os juros (330% ao ano/inflação 2,50%) recebidos de uma parte dos inadimplentes cobrem o prejuízo causado pelos inadimplentes que dão o calote.



Não concordo com esse subterfúgio das instituições financeiras. Os cuidados para evitar o calote deveriam estar embutidos na propaganda do cartão ou do cheque especial e nos critérios que estabelecem o crédito de cada consumidor. É preciso ficar muito bem definida ao consumidor qual é a porcentagem dos juros cobrados por atraso dos pagamentos, situação que torna a dívida praticamente impagável. Isso arrasa a vida do pobre que vive do crédito conquistado pagando pontualmente os seus compromissos. Sem esses esclarecimentos, a propaganda só poder ser entendida como enganosa.



Hoje em dia, o cartão de crédito e o cheque especial não trazem nenhum risco, nenhum prejuízo às instituições financeiras. Reafirmo que os calotes são pagos pelos consumidores inadimplentes (uma minoria) que liquidam suas dívidas com juros indecentes.



As instituições financeiras nunca perdem. Pelo contrário: sempre ganham, principalmente em cima dos mais pobres. Vejam o caso do pobre aposentado que fez dívida no cartão ou no cheque especial. Ele pede socorro à instituição financeira, que lhe faz empréstimo consignado público para pagar essas duas dívidas. O devedor paga o empréstimo consignado com juros baixos por meio de descontos feitos no pagamento de sua aposentadoria. Grande negócio para a instituição financeira. Ela recebe a dívida do cartão ou do cheque especial com 300% de juros embutidos. Recebe mais: os juros do empréstimo consignado. Risco da operação: zero. É a exploração do homem pelo homem. É a obsessão pelo lucro desmedido.



Como disse, não vejo diferença, no aspecto moral e ético, entre a corrupção patrocinada por políticos e empresários e esse tipo de agiotagem. O pobre é atingido mortalmente por essa agiotagem. Esse dinheiro é tão sujo e maléfico como o oriundo do tráfico de drogas.



Pergunto: essa agiotagem não seria mais um crime do colarinho branco?



Francisco Paes de Barros é radialista


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...