sábado, 16 de junho de 2018

Terra, Tra­balho e Teto contra a ido­la­tria ao di­nheiro

O sistema financeiro sob o prisma ético, segundo o Vaticano 

Guilherme Costa Delgado

O sis­tema mi­diá­tico cor­po­ra­tivo bra­si­leiro, com as ex­ce­ções de praxe, re­solveu aplicar a tese do ‘si­lêncio ob­se­quioso’ sobre um tema que o Papa Fran­cisco vem tra­tando re­pe­ti­da­mente, ainda que de pas­sagem, em vá­rios pro­nun­ci­a­mentos: ‘a nova ido­la­tria ao di­nheiro’.



Re­corde-se que, de ma­neira ex­plí­cita o Papa tratou do tema em 2013 na Evan­gelli Gau­dium; tratou-o também no Moto Pró­prio (2014): “Para pre­venção à la­vagem de di­nheiro, ao fi­nan­ci­a­mento do ter­ro­rismo”, fo­ca­li­zando pre­o­cu­pa­ções es­pe­cí­ficas aos ten­tá­culos ma­fi­osos por dentro da pró­pria fi­nança do Va­ti­cano. Tratou ainda do tema em su­ces­sivos pro­nun­ci­a­mentos des­ti­nados aos mo­vi­mentos po­pu­lares – se­gundo se­mestre de 2014, no­vembro de 2015 e no­vembro de 2016. Nas três oca­siões fez cla­ra­mente a de­núncia em lin­guagem pro­fé­tica da an­ti­nomia: Terra, Tra­balho e Teto contra a ido­la­tria ao di­nheiro.



Nesse ín­terim, o Va­ti­cano re­cebeu pres­sões de toda ordem, prin­ci­pal­mente de cír­culos norte-ame­ri­canos, e agora se ma­ni­festa de forma mais dou­tri­nária em do­cu­mento da pró­pria Con­gre­gação para Dou­trina da Fé, também as­si­nado pelo de­no­mi­nado Di­cas­tério para o De­sen­vol­vi­mento Hu­mano In­te­gral.



Toda essa in­tro­dução serve para con­tex­tu­a­lizar e ca­rac­te­rizar que, do ponto de vista da co­mu­ni­cação so­cial, in­de­pen­den­te­mente do seu teor, não se pode ig­norar um ato de fala, que do ponto de vista da res­pon­sa­bi­li­dade pú­blica de quem fala e do con­teúdo da pro­ble­má­tica que trata, é de evi­dente in­te­resse pú­blico. Fazer si­lêncio ob­se­quioso é sinal pre­o­cu­pante de perda de fi­de­li­dade e fi­na­li­dade à li­ber­dade de im­prensa, de que tanto se jactam esses meios de co­mu­ni­cação si­len­ci­osos.



Nos li­mites deste ar­tigo, não é pos­sível re­sumir o do­cu­mento ci­tado (dis­po­nível na in­ternet – “Con­si­de­ra­ções para um Dis­cer­ni­mento Ético sobre Al­guns As­pectos do Atual Sis­tema Econô­mico Fi­nan­ceiro”); mas apenas enu­merar al­gumas de suas pre­o­cu­pa­ções cen­trais “no con­texto con­tem­po­râneo”, que caem feito mão à luva, con­fron­tadas à re­a­li­dade das fi­nanças pú­blicas bra­si­leiras:



1 - Sobre con­su­mismo au­tos­su­fi­ci­ente (n. 9).



2 - Sobre au­to­va­lo­ri­zação ili­mi­tada e ar­ris­cada do di­nheiro em sis­tema sem re­gu­lação (ns. 25-28).



3 - Sobre ge­ração e ex­plosão de su­ces­sivas bo­lhas fi­nan­ceiras glo­bais e suas graves con­sequên­cias so­ciais (n. 21 e vá­rios ou­tros).



4 - Sobre cir­cu­lação de di­nheiro mun­dial em pa­raísos fis­cais e suas pro­ce­dên­cias ilí­citas e prá­ticas idem da cha­mada fi­nança offshore (ns 28-30).



5 - Sobre sis­temas tri­bu­tá­rios iní­quos (n. 31);



6 - Sobre formas iní­quas de for­mação de dí­vida pú­blica, com menção es­pe­cial à me­ta­mor­fose das dí­vidas pri­vadas em dí­vida pú­blica (n. 32).



Cer­ta­mente todos esses tó­picos ci­tados nos dizem res­peito. O agra­vante no caso bra­si­leiro, seja para as suas fi­nanças pú­blicas seja para as fi­nanças pri­vadas, é que essas, que já eram de longa data blin­dadas pelo manto nada sa­grado da não trans­pa­rência, estão agora auto-atri­buídas de um quá­druplo ‘i’: ir­res­pon­sa­bi­li­dade (fiscal e so­cial), ili­mi­tação (de ge­ração de dé­ficit pú­blico), ini­qui­dade (tri­bu­tária) e inim­pu­ta­bi­li­dade (cri­minal do ilí­cito fi­nan­ceiro).



Tudo isto sig­ni­fica ido­la­tria ao di­nheiro ou grave desvio ético na for­mação e gestão do di­nheiro pú­blico, se­gundo as Con­si­de­ra­ções Ele­men­tares de Fundo deste ci­tado do­cu­mento, bas­tando para tal fazer as de­vidas apli­ca­ções dos prin­cí­pios éticos às prá­ticas so­ciais con­tem­po­râ­neas.



O leitor e eleitor de 2018 pre­cisam dis­cernir também po­li­ti­ca­mente sobre a na­tu­reza da ver­da­deira crise moral a que es­tamos sub­me­tidos, que pre­ci­samos en­frentar, mais além do fa­ri­saísmo de oca­sião, que dis­trai, ma­ni­pula e finge en­frentar o gi­gan­tesco desvio do di­nheiro pú­blico.

Correio Cidadania


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