quarta-feira, 20 de junho de 2018

Papa Francisco chama a atenção para a “capacidade destrutiva da comunicação malvada”.

Contra a concentração dos meios de comunicação

Embora não tenha mencionado a Argentina, Francisco, em sua homilia da segunda-feira, criticou os processos de concentração da mídia e opinou que “enfraquecem a vida democrática”.

Reportagem de Washington Uranga

Em uma reflexão sobre a comunicação atual, o Papa advertiu que se utiliza a calúnia lançada pela mídia e que se “destrói a livre informação” com o objetivo de difamar e, dessa maneira, afeta-se a democracia. “Todas as ditaduras começaram assim, adulterando a comunicação, colocando as informações nas mãos de uma pessoa inescrupulosa, um governo inescrupuloso”, disse Francisco em sua homilia na manhã desta segunda-feira na capela da Casa Santa Marta, sua residência romana.



Um parágrafo do discurso de Francisco chamou especialmente a atenção, porque se referiu à comunicação atual com uma crítica dirigida aos governos, no que soou como uma referência clara à administração de Mauricio Macri. “Também hoje, em muitos países, esse método é usado: destruir a livre comunicação”, disse. “Por exemplo, pensemos no seguinte: existe uma lei da mídia, da comunicação e essa lei é revogada; todo o aparato comunicativo é entregue a uma empresa, a uma sociedade que calunia, que diz falsidades e enfraquece a vida democrática “, descreveu Bergoglio.



O Papa fez essa declaração a partir de um comentário bíblico sobre o Primeiro Livro dos Reis, que conta como a esposa de Acab, rei de Israel, usou a calúnia para matar Nabot e roubar dele um terreno que o rei ambicionava. O Papa tratou de explicar dessa maneira que os poderes se servem da mentira para alcançar seus propósitos.



Alguns dias após assumir o cargo, Macri modificou a Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual por decreto e prorrogou as licenças existentes, ampliou o número de licenças que cada grupo poderia ter e suspendeu a proibição de sua transferência. Na época, a oposição denunciou que se tratava de uma medida inconstitucional e sob medida para o Grupo Clarín. Na segunda-feira, sem fazer qualquer menção explícita, a descrição do Papa de um processo “hipotético” de concentração da mídia foi muito semelhante ao que aconteceu na Argentina.



Francisco lembrou que o apóstolo Tiago chama a atenção para a “capacidade destrutiva da comunicação malvada”. E acrescentou que “há muitas pessoas, muitos países destruídos por ditaduras malignas e caluniosas” e deu como exemplo ditaduras do século passado. “Pensemos nas perseguições contra os judeus”, disse. “Uma comunicação caluniosa contra os judeus, que os levou a Auschwitz porque não mereciam viver. É um horror, mas um horror que continua a acontecer hoje: nas pequenas sociedades, nas pessoas de muitos países”. De acordo com o Papa, “o primeiro passo é apropriar-se da comunicação e, depois da destruição, o juízo e a morte”.



Francisco disse que “então vêm os juízes para julgar essas instituições enfraquecidas, essas pessoas destruídas, condenam e assim avança uma ditadura”, ressaltando que “as ditaduras, todas elas, começaram assim, adulterando a comunicação, para colocar a comunicação nas mãos de uma pessoa inescrupulosa, de um governo inescrupuloso”.



O Papa também argumentou que algo similar acontece na vida cotidiana quando se quer destruir uma pessoa: “inicio pela comunicação: difamar, caluniar, dizer escândalos”. Porque, argumentou, “comunicar escândalos é um fato que tem uma enorme sedução, uma grande sedução. Seduz-se com escândalos. As boas notícias não são sedutoras”. E assim, Francisco continuou refletindo em sua homilia: “E assim cresce a comunicação, e aquela pessoa, aquela instituição, aquele país, acaba na ruína. No final, não se julgam as pessoas. Julgam-se as ruínas das pessoas ou das instituições, porque não podem se defender”, afirmou.



Retomando o texto bíblico que originou a sua reflexão, o Papa disse que a história de Nabot é um paradigma para a história de Jesus, de Santo Estevão e de todos os mártires que foram condenados usando um cenário de calúnias. Mas – argumentou – é também um paradigma no modo de proceder de muitas pessoas, de “tantos chefes de Estado e de Governo”. Começa-se com uma mentira – disse Francisco – e, “após ser destruída, quer seja uma pessoa ou uma instituição, ela é julgada e condenada”.



O Papa pediu para reler a história de Nabot no capítulo 21 do Primeiro Livro dos Reis e pensar “em tantas pessoas destruídas, em tantos países destruídos, em tantas ditaduras com ‘luvas brancas’ que destruíram países”.


Unisinos


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