"Não aja. Apenas pense". |
Diogo Guedes
Polemista e figura midiática, o filósofo esloveno vem para o Recife na sexta (15/3) mostrar um pouco da sua forma de pensar
O filósofo Slavoj Žižek não é apenas um teórico provocativo, ele é, talvez, o mais performático dos intelectuais contemporâneos - ainda que a ideia de intelectual pareça e esteja há tanto tempo desgastada. Os apostos para descrever suas áreas de atuação são muitos: professor errante, palestrante de agenda lotada, marxista crítico e, ao mesmo tempo, convicto, comentarista pop, personagem midiático, em suma, uma metralhadora filosófica que parece disposta a se fazer presente em torno de boa parte dos eventos culturais e políticos da atualidade.
A sua onipresença nessas diversas trincheiras parece sugerir a imagem de um erudito desleixado, mais afeito às polêmicas do que a construção de um projeto consistente. A impressão não sobrevive, no entanto, ao contato com a vasta produção teórica do autor que - ainda que longe de ser sistemática - não pode ser simplesmente caótica.
Atração da primeira edição do projeto ArtFliporto Convida, que acontece na próxima sexta (18/3), no Teatro da UFPE, Žižek é uma mistura de pensador e fenômeno midiático e exibe nas suas falas e textos as potencialidades e as problemáticas desse encontro. Apesar do contato intenso com os eventos da realidade atual, seu corpo teórico de estudos é bastante sólido, voltado basicamente para três autores: Marx (mas um "Marx não marxista", ele gosta de alertar), o filósofo Hegel e o psicanalista Lacan. A dívida com o pensamento dos dois últimos está fortemente presente no livro que o esloveno vem lançar no Brasil, Menos que nada: Hegel e a sombra do materialismo histórico (Boitempo, 656 páginas).
Žižek é um homem de posicionamentos: sua forma preferida de teorizar é a partir de elementos da realidade - revoltas, filmes hollywoodianos (seu Guia pervertido para o cinema mescla alta filosofia com Matrix e Hitchcock, por exemplo), discursos políticos e até mesmo de piadas que pega tanto do repertório popular como da literatura.
Seu gosto por palestras e conferências não é segredo. Ele já confessou que detesta escrever: sempre que termina um trabalho, tem a impressão de que não conseguiu dizer o que queria e, por isso, parte logo para outro projeto. Talvez por essa insatisfação constante (a impossibilidade de enunciar as contradições da liberdade dentro da prisão da linguagem), é um autor tão prolífico. Desde 2002, escreve pelo menos dois livros por ano - em 2010, por exemplo, foram seis, dois deles com o filósofo francês Alain Badiou, um dos autores contemporâneos mais próximos da sua forma de pensamento.
PERIGOSO
A revista conservadora americana New Republic, em meio a um texto com xingamentos gratuitos como "fascista" e "antissemita", classificou Žižek como "o filósofo mais perigoso do mundo" - sem perceber que, na verdade, acabava de criar o elogio que Žižek e seus admiradores estampariam com orgulho. Afinal, o que um provocador poderia querer mais do que transformar a filosofia mais uma vez em uma atividade perigosa?
Outro momento notável de choque com conservadores foi a sua entrevista junto ao ex-militante de esquerda e ex-membro dos Panteras Negras David Horowitz, hoje parte da ultra-direita americana, feita pelo criador do WikiLeaks, Julian Assange. A discussão entre os dois, sobre Obama, sionismo e comunismo foi exaltada. Mas os marxistas mais ortodoxos e outros acadêmicos também têm suas discordâncias em relação a Žižek.
Sua forma de expor suas ideias é bastante criticada por parecer, segundo Geoffrey Galta Harpam, caótica, como um "fluxo de unidades não consecutivas". Para o estudioso da obra do esloveno, Christopher Kul-Want, autor do livro Entendendo Slavoj Žižek (Leya), é justamente a retórica única do autor, que busca simular a espontaneidade do seu pensamento.
Uma das naturezas do incômodo que Žižek provoca entre os marxistas é a sua inversão do papel dos pensadores. Depois que Marx conclamou os filósofos a agir, para Žižek o momento é de frear o ímpeto da ação imediata e tentar teorizar a realidade novamente, voltar para reflexão para entender o que escapou aos olhos dos pensadores anteriores e o que mudou nesse meio tempo. A hora não é de fazer revoluções e pensar depois, mas do contrário - sua crítica a movimentos como o Occupy Wall Street e a Primavera Árabe se dá justamente por que são ações que não se pensam como projeto. Costuma dizer aos que têm projetos revolucionários: "Não aja. Apenas pense".
Žižek também é crítico da ideia de que um capitalismo menos danoso seja a solução para o mundo, a exemplo do "comércio justo" - que busca explorar menos as pessoas que produziram aquele objeto -, dos produtos orgânicos ou ecologicamente responsáveis, das empresas que prometem fazer caridade com os lucros. Para ele, quando consumimos um desses bens, estamos comprando a ilusão de um "anticapitalismo", um capitalismo que finge resolver as mazelas que ele mesmo ajuda a criar. "O desejo de fazer algo pelos outros e pelo ambiente já foi incluído em sua compra", alerta. O que se adquire, para ele, é uma "experiência ética", a ilusão de que se está fazendo algo bom.
A sua noção de ética diz respeito à necessidade de ser fiel a um desejo que é verdadeiramente nosso - algo difícil, segundo ele, em um mundo em que nossos desejos são construídos socialmente. Sua visão - nada fácil de resumir - é que, mais do que as proibições sociais, o que se deve combater são as pressões, falsos tabus e falsos desejos, do superego (até porque ele é, em si, falso para o filósofo esloveno). É só entendendo as estruturas sociais (do capitalismo à linguagem) como ficções sustentados por nós mesmo é que se pode dissolvê-las e buscar, de fato, o que se deseja.
Jornal do Commercio - Cultura - Palestra
10.03.2013
Boitempo
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