sexta-feira, 24 de junho de 2016
A verdade como mercadoria de troca deixa de ser bem ético
A delação premiada e o “ já chegamos ao fundo do poço?”
A verdade deixou de ser um bem ético de uso e virou mercadoria de troca
Wagner Francesco ⚖
Mais um caso de corrupção estoura no Brasil e um instituto penal ganha notoriedade na mídia: a delação premiada.
Sobre ela diversas leis tratam do assunto, a exemplos da lei dos crimes hediondos (lei 8072/1990); o Código Penal (CP, artigo 159, parágrafo quarto); lei de lavagem de dinheiro; lei de proteção a vítimas e a réus colaboradores (lei 9807/1999); lei antidrogas (lei 11343/2006) e lei de crime organizado (lei 12850/2013).
Delação premiada é um benefício legal concedido a um criminoso delator, quando este aceita colaborar na investigação ou entregar seus companheiros. Ela pode beneficiar o acusado com:
diminuição da pena de 1/3 a 2/3;
cumprimento da pena em regime semiaberto;
extinção da pena;
perdão judicial.
Até aqui tudo beleza, mas vamos falar primeiramente sobre a afirmação que eu fiz no começo do parágrafo acima: “delação premiada é um benefício legal concedido a um criminoso delator”. Desenhando a frase agora: é um criminoso que ajuda o Estado a cumprir o seu papel, combater o crime. Segundo o melhor advogado criminal da Bahia, Dr. Gamil Foppel,
“a delação premiada é o reconhecimento da absoluta e manifesta falência do sistema investigativo estatal. [...] É dizer, utilizar-se de um criminoso para combater o próprio crime é, a um só tempo, valer-se de um meio de questionável padrão ético, confessando, ao mesmo tempo, que o estado não teve capacidade para identificar e comprovar a autoria e a materialidade de fatos puníveis.”
O Estado Brasileiro, tal como em Gotham City, está em plena decadência e precisa de um Batman para combater o crime – ok!, aqui não temos Batman, mas somos ajudados pelos próprios criminosos.
Acontece, galera, que é aqui que eu quero chegar: somos ajudados?
Não, não somos ajudados. Ajuda é coisa gratuita, pois do contrário estamos falando em onerosidade, bilateralidade, sinalagmatismo ou quaisquer outros termos bonitos assim do Direito Civil que versem sobre contratos. Sim, Delação Premiada é, antes de tudo, um contrato onde o criminoso se compromete a falar a verdade e o Estado, a retribuí-lo por isto. Aqui então, senhores e senhoras, chegamos ao fundo do poço: a verdade virou moeda de troca.
Diz o Código do Processo Civil que
Art. 14. São deveres das partes e de todos aqueles que de qualquer forma participam do processo: (Redação dada pela Lei nº 10.358, de 27.12.2001)
I - expor os fatos em juízo conforme a verdade;
E também
Art. 339. Ninguém se exime do dever de colaborar com o Poder Judiciário para o descobrimento da verdade.
No Código do Processo Penal, por sua vez
Art. 203. A testemunha fará, sob palavra de honra, a promessa de dizer a verdade do que souber e Ihe for perguntado
Falar a verdade é, antes de um dever jurídico das partes e dos terceiros, as testemunhas, obrigação humana. Obrigação esta que quando não cumprida coloca toda a segurança e organização do tecido social em perigo.
Negociar a verdade? Já vi que o dinheiro pode comprar a liberdade, mas não o bom caráter. Aliás, por falar em dinheiro, é o amor a ele que é a raiz de todo o crescimento do mau caratismo na essência humana. Foi por dinheiro que os delatores que estão na mídia se corromperam...
Ainda segundo Gamil Foppel,
(a delação premiada) é medida de duvidosa moralidade (moralidade que é um dos princípios basilares do ordenamento constitucional), tendo em vista que o estado se vale da palavra de um investigado para condenar os demais e, em uma troca de concessões, propor-lhe penas mais brandas ou, até mesmo, a extinção da punibilidade pelo perdão judicial.
A delação premiada encontra seu alicerce não no arrependimento do criminoso, mas numa nova investida reprovável do cidadão que cometeu o crime para se beneficiar e se compromete a colaborar com as investigações, se for beneficiado. É o ápice da corrupção e da degradação humana.
Nietzsche escreveu no livro “Para além do bem e do mal” que “a necessidade de saber a verdade nos arrastaria para muitas aventuras” e completou: “Quantos problemas nos tem levantado essa ânsia de verdade?!”. Pois é, somos arrastados para aventuras num cenário social de horror e muitos, muitos problemas se colocam à nossa frente, como por exemplo o de pensarmos em como resolver a nossa vida em comunidade quando chegamos ao fundo do poço de negociar a verdade com o intuito de gozarmos, sempre mais, do máximo de benefício pessoal possível, mesmo sob a marca de atos de corrupção.
O fato é que a Bíblia esta correta ao dizer que "nada há encoberto que não haja de ser descoberto; nem oculto, que não haja de ser revelado.”(Lucas 12:2) e por isto eu opto pelo conselho de Jesus:
Seja, porém, o vosso falar: Sim, sim; Não, não; porque o que passa disto é de procedência maligna. (Mateus 5:37)
Wagner Francesco ⚖
Theologian, Paralegal and Ghost Writer
Nascido no interior da Bahia, Conceição do Coité, Teólogo e Acadêmico de Direito. Pesquiso nas áreas do Direito Penal e Processo Penal. facebook.com/autor.wagnerfrancesco 📚
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