quarta-feira, 8 de junho de 2016
O erro de uma geração
Luiz Zanin
Achávamos que, com o fim do regime militar, todos os problemas estariam resolvidos. Foi engano: tudo estava por ser feito, como se vê pela lamentável situação a que chegamos
O erro de uma geração, e talvez de mais de uma, foi supor que, com o fim da ditadura, tudo estaria resolvido no Brasil.
O pressuposto era dos mais simplistas: o Brasil era um país talentoso por vocação e, removida a ditadura e o “entulho autoritário” (uso uma expressão de época), haveria um florescimento geral. Um Renascimento à brasileira.
Como todo erro, este também estava calcado em alguma realidade. Em particular os anos 1950 e 1960, vindos após a redemocratização de 1945, pareciam bastante promissores. Música, futebol, literatura, teatro, cinema, tudo parecia renovado e saído da forma. O bicampeonato mundial de futebol em 58 e 62, Brasília, o teatro (Arena e Oficina), a música (bossa nova e tropicalismo), o Cinema Novo, um povo simpático e maravilhoso, cheio de ginga, apesar de tantos problemas sociais e econômicos. Quem poderia deter um país com tantos talentos e tanta criatividade?
Apenas um golpe civil-militar, truculento e obscurantista. E foi o que houve. A nossa suposição, diria mais, a nossa certeza, era que, uma vez expulsos do poder esses ditadores, o país renasceria com aquela força das árvores e flores que brotam quando chega a primavera nos países frios. As gavetas estariam cheias de inéditos bloqueados pela censura, os inteligentes voltariam aos postos de comando, as pessoas seriam felizes e tudo seria leite e mel. Batalhamos 20 anos por isso. E, por fim, eles se foram.
Verdade: Collor foi um aviso. Mas muita gente o interpretou como acidente de percurso, um pequeno desvio de rota. E que foi logo corrigido. Depois veio um período democrático que, se não atendia aos sonhos da nossa geração, pelo menos fazia o país avançar. O Brasil era vital por inércia. Nada precisaríamos fazer para torná-lo grande, pois esta era sua vocação, embora o tempo de realização do sonho parecesse se alargar.
Com a reeleição de Dilma em 2014, tudo aflorou e não era o que se esperava. Aberta da Caixa de Pandora nacional, ressurgiram forças que se acreditavam adormecidas ou mortas. O golpismo das “elites” quando insatisfeitas com resultados eleitorais, o fisiologismo exacerbado da classe política, os ressentimentos de classe social, um novo e forte conservadorismo de base religiosa - tudo isso se expôs à luz do dia, para nosso espanto e horror. Era a força da História, dizendo que o passado governa o presente, e que havia falhas de estrutura em um país de aparência magnífica, porém mal construído.
Com isso chegamos aos dias de hoje e com a sensação de que nada nos será dado de graça. Tudo está por construir. Não temos uma democracia, ou, se a temos, ela é formal e muito falha. Os poderes estão completamente desequilibrados e a Constituição, em frangalhos. A tremenda disparidade social, apenas atenuada nos últimos anos, tende a voltar ao que era, pois medidas para minorá-la são vistas como assistencialistas. A educação, base para qualquer sociedade evoluída, continua muito deficitária. A saúde é o caos que se conhece e até médicos notáveis pensam que a saída é privatizá-la ainda mais. Tudo isso é triste demais.
Temos, claro, ilhas de excelência, em alguns institutos de pesquisa, algumas universidades, alguns colégios, alguns setores pontuais. Nas artes e conhecimento, há escritores, há músicos, há dramaturgos, há um ou outro intelectual pensando o país. Mas, no todo, o panorama cultural parece desolador.
Tudo está por construir: de uma democracia mais sólida à cartilha do aluno do primeiro grau. Precisamos, depois de velhos, reaprender a arte da resistência.
Nosso engano foi supor que o país novo surgiria por geração espontânea, apenas porque éramos bem dotados. “Bonitos por natureza” , como diz o samba.
Erramos. Muito trabalho e muita luta nos esperam. E pelas gerações que virão.
Estadão
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