sábado, 12 de dezembro de 2015

Coronelismo reciclado: Famílias continuam mandando



Famílias mandam no Nordeste, mas não só lá 
  
Edson Sardinha e Renata Camargo

 

Berço de alguns dos mais poderosos clãs políticos do país, o Nordeste é a região que concentra o maior número de deputados com parentes na política. Tanto proporcionalmente quanto em números absolutos. De cada dez parlamentares que assumiram o mandato por um dos nove estados nordestinos, seis têm algum parentesco com outras figuras do mundo político. A prática da política em família é comum a 97 dos 161 deputados da região.

 

São nordestinos seis dos dez estados em que isso é mais frequente. A única unidade federativa da região em que os parentes de políticos são minoria é, curiosamente, o Maranhão, terra da família Sarney. Dos 20 parlamentares que assumiram o mandato pelo estado este ano, entre titulares, suplentes e licenciados, nove (45%) entrelaçam os laços políticos e familiares. Entre eles, o deputado Sarney Filho (PV-MA), herdeiro do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP).
 

Para o historiador José Octávio de Arruda Mello, professor aposentado da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), o predomínio de determinadas famílias na política nordestina mostra que o coronelismo está bem vivo na região. Mas sob nova roupagem.
 

“Coronelismo ilustrado”
 

“Não tem mais o bico de pena, do voto de cabresto, mas tem o sistema de aliança, que é mais fluido. As alianças vão desde a base até em cima. É urbano. O coronel tradicional tinha cartucheira atravessada no peito. O neocoronel é um homem de cidade. São bacharéis, pessoas ilustradas, mas que sabem onde está o peso da máquina, onde está a força do poder. Eles costumam penetrar nas universidades. É um coronelismo ilustrado, mas é um coronelismo”, considera.
 

O professor afirma que as grandes famílias se apropriaram do poder no Brasil, principalmente nas regiões mais pobres, rateando a máquina pública entre seus representantes. “Elas rateiam o poder, colocando seus representantes nas posições decisórias. Elas estão também no Judiciário. É o estamento, a comunidade de poder que não se renova. No Legislativo isso é mais visível.”
 

Como mostrou o Congresso em Foco, os três estados do país onde essa combinação é mais recorrente são a Paraíba, o Rio Grande do Norte e Alagoas. Onze dos 12 representantes paraibanos na Câmara vêm de família com tradição política. O mesmo se dá com oito dos nove potiguares e com sete dos nove alagoanos. No Rio Grande do Norte, aliás, mais da metade da bancada provém de apenas três grupos familiares: os Alves, os Maia e os Rosado.
 

Diferente, mas nem tanto
 

O índice registrado na bancada do Nordeste é quase o dobro dos 35% alcançados pela região onde o sobrenome político parece ter menos influência, o Sul. Ainda assim, mais de um terço dos representantes de Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul têm familiares na política. Na região, o Paraná é a unidade onde o poderio familiar se mostra mais presente na Câmara. De seus 32 nomes na Câmara, 13 (41%) seguem ou abrem uma tradição familiar. Entre os paranaenses novatos, destacam-se, por exemplo, os deputados João Arruda (PMDB-PR), sobrinho do senador e ex-governador Roberto Requião (PMDB-PR), e Zeca Dirceu (PT-PR), filho do ex-ministro e ex-deputado José Dirceu (PT).
 

Na avaliação do cientista político Ricardo Costa de Oliveira, o fenômeno do parentesco na política não se restringe a estados com índices de desenvolvimento mais baixos. Um dos principais analistas da política do Paraná – estado que ostenta o sexto maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do país -, Oliveira afirma que a política brasileira, de modo geral, está sendo dominada por famílias. Para mudar esse rumo, o cientista político sugere a redução de privilégios para a classe política. “O Paraná, mesmo com a imagem de que é um estado moderno, de migração, tem famílias políticas e conexões de parentescos muito antigas. Então, o Paraná não é diferente do Maranhão, de Alagoas e outros estados”, afirma.
 

Meio a meio
 

Depois do Nordeste, o Norte é a região mais representada por parlamentares com parentesco político. São, ao todo, 33 nomes (praticamente metade de seus 68 representantes) nessa condição. Na região, o destaque fica por conta das bancadas do Acre e do Tocantins: 75% dos deputados dessas duas unidades são filhos, pais, netos, primos, sobrinhos ou cônjuges de políticos. O terceiro lugar regional fica por conta do Amazonas, que tem cinco de seus oito representantes com elos políticos e familiares.
 

O Centro-Oeste também tem praticamente sua bancada formada por parentes de políticos. Dos 50 deputados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás e Distrito Federal, 24 têm parentesco com outros representantes populares. É o que ocorre com sete dos dez deputados que assumiram por Mato Grosso este ano. Entre eles, está o deputado Júlio Campos (DEM-MT), irmão do senador Jayme Campos (DEM-MT). Júlio ganhou destaque nacional há duas semanas ao chamar o ministro Joaquim Barbosa, do Supremo Tribunal Federal (STF), de “moreno escuro”, em reunião do partido.
 

Dono da maior bancada da região, Goiás tem dez parentes de políticos entre os 21 representantes do estado, entre suplentes, titulares e licenciados. Mato Grosso do Sul tem metade de sua representação com tradição familiar política. O Distrito Federal desponta como a unidade da federação com menos deputados com parentesco político. Formada basicamente por parlamentares que nasceram em outros estados do país, a bancada abriga apenas três parentes entre seus 11 nomes. O sobrenome mais conhecido, entre eles, é o da deputada Jaqueline Roriz (PMN), filha do ex-senador e ex-governador Joaquim Roriz (PSC) e da ex-candidata ao governo do DF Weslian Roriz, e irmã da deputada distrital Liliane Roriz.
 

Laços de família
 

A prática de fazer política em família também alcança a região mais desenvolvida economicamente do país. Dos 200 nomes do Sudeste na Câmara, 87 (44%) têm algum parentesco político. Há até predomínio da bancada dos parentes em Minas Gerais. Dos 58 representantes mineiros, 31 (53%) vêm de berço político. O deputado Bonifácio de Andrada (PSDB-MG), por exemplo, representa a quinta geração no Congresso da família do Patriarca da Independência, José Bonifácio de Andrada. O clã está no Parlamento federal há 190 anos.


Mais à esquerda no espectro político-partidário, três irmãos também ensaiam entrar para o rol das tradicionalíssimas famílias mineiras. O deputado Weliton Prado (PT) é irmão dos estaduais Elismar Prado (PT) e Liza Prado (PSB) e do vereador de Uberlândia Gilmar Prado (PT).
 
Em São Paulo, como mostrou o Congresso em Foco, oito famílias têm representantes na Câmara e na Assembleia Legislativa. Entre elas, duas estão fincadas nos três níveis do Legislativo: o federal, o estadual e o municipal. O novato Alexandre Leite (DEM-SP) é filho do vereador paulistano Milton Leite (DEM) e irmão do deputado estadual Milton Leite Filho (DEM). Jilmar Tatto (PT-SP) é irmão do vereador paulistano Arselino Tatto (PT-SP) e do deputado estadual Enio Tatto (PT-SP). Na bancada paulista, os petistas só ficam atrás dos tucanos em número de deputados com parentesco político: 17 ante 18.


 

Congresso em Foco

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