A elite se consolida alicerçada em práticas de corrupção. Por isso o fim do financiamento privado de campanha não é uma pauta de seus protestos.
José Augusto Valente
Observando as manifestações de sexta-feira – convocadas pela CUT e movimentos sociais – e de domingo – convocadas pelo Movimento Brasil Livre e pelo Vem pra Rua – fica claro o acirramento da divisão existente na sociedade brasileira. Embora saiba que a realidade é complexa, para fins de análise, considerarei apenas os aspectos mais relevantes.
De um lado, os pobres e parte da classe média progressista fazendo pressão para que o governo Dilma avance para a esquerda, ou seja, para que amplie e aprofunde as reformas sociais e políticas.
Do outro lado, os ricos e parte da classe média conservadora, desejando o retorno à direita, com tudo o que isso significa.
Na minha opinião, engana-se quem pensa que estes últimos querem apenas tirar a Dilma da presidência. O que eles querem mesmo é um país socialmente desigual, machista, racista, homofóbico e alinhado com os EUA.
É preciso atentar que os avanços conseguidos pelos governos Lula e Dilma nestes aspectos, incluindo os avanços dos BRICS, estão construindo uma nova realidade insuportável para a elite e para a parte da classe média que se julga elite. Isso é notório nas redes sociais: quem frequenta, sabe do que estou falando.
No entanto, a elite propriamente dita quer sim o impeachment da Dilma, porque estão muito seguros de que seu governo contraria e continuará contrariando os seus interesses. Ao contrário do que alguns afirmam, penso que ela não acha que tanto faz ter a Dilma ou o Michel Temer no comando do executivo federal.
Com todo o respeito ao vice-presidente, e à parcela progressista do PMDB (Requião, Pezão, Eduardo Braga, entre outros), a elite econômica acha que num governo presidido por Temer, pressionado pelo grupo do deputado Eduardo Cunha, conseguirá mudanças que garantam seus interesses e a estratégica preservação do status-quo na área de Comunicação. Acredita que conseguirá, sem dificuldade, implantar o regime de concessão na exploração do pré-sal. Que conseguirá acabar ou reduzir bastante a política de conteúdo local, no âmbito da Petrobras, entre outras questões relevantes.
Em síntese, essa elite pensa que conseguirá voltar a ser o foco do direcionamento das políticas do governo federal, em todas as áreas. Como no período 1500-2002!
Já a classe média conservadora, com muita ou pouca renda, diz temer o “comunismo” que os governos do PT estão implantando (sic). Para conseguir o apoio destes, as elites construíram um modelo ideológico, que lhes garante a necessária adesão, votos e manifestações. A insuficiente politização dos governos do PT e do próprio partido contribui para deixar parte da população à mercê dessa “lavagem cerebral” anti-PT.
O que essas pessoas entendem por “comunismo do PT”?
- Garantia do direito à moradia digna para os pobres, aumento de renda para a classe média e renda mínima para os miseráveis. Garantia de sistema de saúde, de educação e de assistência social público e universal. Baixo nível de desemprego. Além desses, programas como Mais Médicos, Brasil Sorridente, UPAs, Escolas Técnicas e Universidades públicas são considerados, por essa classe média, um desperdício de recursos.
- Redução das desigualdades sociais. Para essa parcela, bolsa de estudos para os seus filhos estudarem fora do país é algo desejável. Já Prouni, FIES e cota para negros é uma excrecência a ser abolida. Para ela, pobre se quiser subir na vida tem que estudar e trabalhar bastante. Como se as condições históricas econômicas, sociais e culturais fossem minimamente favoráveis a isso. O ponto alto da raiva dessa classe média contra o PT é o fato de Lula, um operário, analfabeto (segundo ela), ter se tornado presidente do Brasil, se reeleger e, ainda por cima, ter garantido a sucessão para a Dilma. Mas o pior de tudo, para ela, talvez seja a possibilidade de Lula voltar à presidência em 2018!
- Criminalização do racismo e política de cotas. Onde já se viu garantir aos afrodescendentes os mesmos direitos dos brancos? Para elas, negros só podem ascender por mérito, e olha lá!, como se as condições históricas fossem permeáveis a isso.
- Criminalização rigorosa do machismo e políticas de emancipação e autonomia das mulheres. Aqui também essa parcela da classe média entende que é um direito histórico dos homens poder agredir esposa, namorada, filha, irmã ou colegas de trabalho. Sempre foi assim! Porque agora tem que ser diferente? Não é à toa que o termo mais utilizado para se referir à Dilma é “VACA”! Além do mais, que história é essa de Lei Maria da Penha, para punir os machões? Autonomia econômica? Uma ova! “Lugar de mulher é na cozinha”.
- Criminalização rigorosa da homofobia e políticas públicas para a parcela LGBT da sociedade brasileira. A recente punição da Justiça ao ex-candidato Levy Fidélix, por declarações homofóbicas, são inaceitáveis para os conservadores. Um governo que defende esses direitos tem mais é que cair, pensam eles!
- Interferência na ordem econômica e na geopolítica mundial, com a consolidação dos BRICS, o que significa alinhamento com China, Russia, India e África do Sul, bem com o recém criado fundo próprio para desenvolvimento destes países, similar ao FMI. Esse movimento diminui a dependência em relação aos EUA, sendo considerado por eles uma afronta a nossos irmãos do Norte. Fingem não ver que esse movimento foi tão bem sucedido que até a Alemanha está interessada em fazer parte disso!
Finalmente, ouso dizer que a corrupção, para o movimento anti-Dilma, nunca foi e jamais será um problema real. Mas essa bandeira é levantada porque “não pega bem” lutar pela volta da desigualdade social, do machismo, do racismo, da intolerância aos LGBT e da dependência aos EUA. Ao contrário, bradar contra a corrupção - de preferência do PT, é claro! - garante uma boa imagem aos manifestantes.
A elite econômica e boa parte da classe média conservadora se consolida e cresce alicerçada em práticas de corrupção. São elas o poder corruptor, sem o qual não existiriam corruptos. No que depender delas, o financiamento de empresas privadas às campanhas eleitorais continuará vigindo.
Dito tudo isso, fica a triste constatação de que quanto mais os governos de esquerda fazem avançar uma pauta progressista, socialista, mais irrita os defensores do status-quo de antes de 2003.
Essa tensão, portanto, tende a aumentar, porque temos governos progressistas e de esquerda, não só no âmbito federal, mas em estados como Minas Gerais, Rio de Janeiro, Bahia, Ceará e em cidades importantes como São Paulo.
Não resta a esses governos alternativa ao avanço das políticas econômicas e sociais. Mas para isso ser viável, há que aumentar sensivelmente a participação social, em espaços atrativos para a parcela progressista da sociedade. Há missão também para os movimentos sociais e para os partidos de esquerda. Mas me restringirei aos governos.
Atualmente, a correlação de forças nos é desfavorável e ela não será alterada somente com ações e comunicação eficazes. É fundamental termos um processo de tomada de decisão e controle social que garanta o necessário empoderamento da sociedade na defesa de um governo de esquerda. Quanto mais conscientes dos porquês das decisões, maior dificuldade terá a direita para a sua lavagem cerebral.
Quem nunca vivenciou um processo eficaz de participação social na gestão talvez tenha dificuldade de entender o que estou dizendo. Por isso, pretendo fundamentar essa tese em artigos futuros, com maior nível de detalhamento e de exemplos bem sucedidos.
Carta Maior
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