quarta-feira, 25 de março de 2015

A opção da Constituinte


É hora de convocar o povo a fazer a Reforma Política. Antes que polarização estridente, porém sem conteúdo, radicalize o que política e sociedade brasileiras têm de pior

Por Célio Turino

Historiador, ex-secretário de Cidadania Cultural do ministério da Cultura no governo Lula (quando criou os Pontos de Cultura) e participante do esforço para criação do movimento-partido Raiz, Célio Turino passa a escrever regularmente em Outras Palavras

Antes que o quadro de polarização política no Brasil se agrave ainda mais, cabe-nos fazer a seguinte pergunta: Queremos seguir como uma sociedade homicida, suicida ou saudável?

Sociedades homicidas são aquelas em que a culpa sempre está no “outro”. Sociedades suicidas são aquelas em que a culpa sempre está em si mesmo. Sociedades saudáveis seriam aquelas em que, para além da culpa, há um esforço em buscar a raiz dos problemas, entendendo motivos, estudando padrões e encontrando soluções.

O Brasil é um exemplo de país com comportamento homicida. Por aqui, a culpa nunca esta em “nós” e sim no “outro”, seja em uma briga de trânsito ou na disputa sobre os rumos políticos do país. Não à toa, ocupamos o primeiro lugar em homicídios absolutos no mundo (64 mil por ano) e o décimo primeiro em relação ao tamanho da população (dados OMS/2012). E assim, jamais encontramos a raiz de nossos problemas, que sempre se avolumam.

Do outro lado, há países suicidas, como Índia (240 mil por ano) ou Japão (29 mil), em que assumir toda a culpa por um erro é tradição milenar, como o haraquiri. Apesar de o Brasil figurar em oitavo lugar em suicídios absolutos (12 mil/ano), estamos bem distantes deste padrão de comportamento social. Daí compreende-se nossa incapacidade em assumir (ou até mesmo a relutância em buscar compreender) erros passados.

Este padrão de comportamento social tem se revelado um habitus político. E não somente em relação à chamada “classe política” e seus partidos e apoiadores, mas também se espraiado pelo conjunto da sociedade, produzindo ambientes de intolerância, mal estar e incapacidade em encontrar soluções. Perplexidade, fúria, ódio, revolta e indignação – é tudo que nossa sociedade tem conseguido produzir em termos políticos. E, de acusações mútuas (em que geralmente os dois lados têm razão) em acusações mútuas, vai se gerando uma espiral com mais ódio e fúria, até que um dia, por fato fortuito, toda a sociedade perderá o controle, tornando-se homicida de si mesma.

Estamos na iminência de perder o controle, em um ambiente quase catártico. De um lado, um governo (e o partido que controla o governo) incapaz em compreender e assumir os próprios erros; de outro, uma oposição igualmente incapaz em oferecer saídas para além de culpar o “outro”. No meio, a população, entre resignada ou exprimindo frustrações e indignações. Como forma, o grito, as ofensas, o desprezo pelo “outro”. Esta espiral de intolerância, seguramente, não levará o país a bom caminho.

Impeachment? Só da presidenta? E os demais? Na ordem de sucessão: Michel Temer, Eduardo Cunha e Renan Calheiros. Sendo que os presidentes do Congresso e do Senado já são investigados por corrupção e pilhagem na maior estatal brasileira, e talvez não somente nela. Porém, nas manifestações do dia 15 de março, praticamente passaram incólumes. E os demais deputados e partidos, que, sob este governo e nos passados, tanto tem se servido do erário público? Igualmente incólumes. Não seria o caso de afastá-los primeiro? E na forma da lei.

A alternativa do impeachment, decerto, é constitucional e democrática, conforme os próprios brasileiros já experimentaram com o afastamento de Collor de Mello. Porém, para que seja legítima, é preciso estar amparada em provas que demonstrem crime de responsabilidade. Em que pesem todas as denúncias e malfeitos, ao menos em relação à presidenta Dilma, estas provas ainda não surgiram. O caminho seria a radicalização em manifestações de rua e protestos, tornando o exercício da presidência algo insuportável. Mas este caminho geraria mais contraprotestos e novos embates e paralisia institucional. Até o momento em que nos veríamos na trágica situação de colocar povo contra povo. Queremos isso? Estamos dispostos a enfrentar tamanha situação de instabilidade política, econômica e social? E por quanto tempo? Até onde nossa cultura homicida poderia nos levar?

Há outras duas alternativas: aceitar o curso das investigações pela Polícia Federal, Ministério Público e Judiciário e conformar-se com o rumo da política; ou então, um golpe militar, em solução de força bruta. Ambas situações devem ser descartadas por princípio. A primeira, porque significaria abdicar do sagrado direito da indignação e revolta, como se as pessoas devessem se conformar com uma escancarada pilhagem do bem público. A segunda, nem mereceria comentários, de tão funesta, covarde e odiosa. Mas cabe uma observação: “intervenção militar” é eufemismo para golpe de Estado e o Brasil já viveu esta experiência de triste memória: estado de sítio, toque de recolher, censura, prisões políticas, assassinatos e tortura. E muita corrupção, que só não era denunciada por causa do controle da polícia e Judiciário, censura e prisões arbitrárias.

A deputada Luiza Erundina (PSB-SP), junto com o ex-deputado Renato Simões (PT-SP), com apoio de 183 deputados, apresentou projeto de decreto legislativo (nº 1508/2014) convocando um plebiscito com a pergunta “você é a favor de uma Assembléia Constituinte, exclusiva e soberana sobre o sistema político?”. Para aqueles que desejam viver em uma sociedade saudável, democrática e civilizada, superando o impasse político de forma consistente e estrutural, esta é a única alternativa possível. Por isso, Soberania Popular e Poder Constituinte, Já!


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