Michel Zaidan Filho
Dizia o humorista Millôr Fernandes, durante o regime militar, que a coisa mais sem graça que existe é o artista oficial ou a favor. Para ele, o papel da arte era fazer a crítica aos poderes dominantes. Um artista oficial ou oficioso, com contracheque ou holerite da secretaria de Turismo ou da Cultura, seja do Estado ou da Prefeitura do Recife, convenhamos, não tem muita graça. Os políticos daqui têm o costume de utilizar os folguedos populares (e seus artistas) como vantagem comparativa para vender o Estado e seus ativos econômicos (incluindo as mulheres) aos estrangeiros que nos visitam. Até um movimento contra- cultural, que nasceu nas margens, como o Manguebeat foi aprisionado nas malhas dessa armadilha político-institucional que responde pelo nome de “pernambucaneidade” ou “Nação-Pernambuco”. Há um verdadeiro aparelho cultural responsável por essa engenhosa (e rendosa) operação simbólica: a Fundação Joaquim Nabuco, o Museu” O paço do Frevo”, o museu “O cais do sertão”, a Fundação de Cultura da cidade do Recife, várias secretárias municipais e estaduais que cuidam da cultura e do turismo, a FUNDARPE e, claro, os meios de comunicação de massa. Há também várias fundações particulares que se beneficiam enormemente da construção dessa mitologia pernambucana. É um negócio milionário, onde os artistas da terra devem ficar com as migalhas, quando recebem seus pagamentos...
Contudo, o mais trágico é a mudança que se opera num folguedo popular: de um rito alegórico de inversão dos poderes existentes num arremedo de cultura cívica, destinado a vender a administração municipal ou estadual ou as garrafas de cerveja de uma empresa multinacional, como a AMBEV. É o caso de se perguntar: “Que rei sou?” , pois o reinado alegórico dos de baixo contra os de cima transformou-se num megaespectáculo televisivo para o mundo, onde as celebridades das colunas sociais eletrônicas procuram se apresentar (ou se vender). O povo mesmo fica nas arquibancadas vendo a corte passar. Triste carnaval esse do Galo oficial, que anuncia não a madrugada dos que não tem pão nem água, mas dos que se comprazem em desfilar na rua, sob o patrocínio de uma ditadura africana que pode gastar 10 milhões de reais numa Escola de Samba do Rio de Janeiro (por acaso, a vencedora do desfile desde ano).
Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador,cientista político,professor da Universidade Federal de Pernambuco e coordenador do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia - NEEPD/UFPE
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