Sem clima para julgar?
Rubens Nóbrega
Na minha proverbial ingenuidade, acreditava que dependiam de prazos, diligências e despachos legais o andamento e o julgamento de processos como aqueles que pedem a cassação do governador do Estado no Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba (TRE-PB). “Tem clima não”, disse-me ontem categorizado espectador e analista da cena política paraibana. Referia-se ao que ele chama de “quase nenhuma chance” de o TRE vir a julgar ainda neste semestre alguma das ações de investigação judicial eleitoral (aijes) e de impugnação de mandato eletivo (aime) que acusam o governante de ter cometido múltiplos e gravíssimos abusos de poder para se reeleger. Sequer poderiam ser levadas a plenário, até julho deste ano, aquelas três aijes e uma aime impetradas pelo Ministério Público Eleitoral (MPE), que vem a ser encargo do Ministério Público Federal (MPF), ou seja, da Procuradoria da República.
“Será?”, questionei, argumentando na frase contínua que não tem como deixar parado ou submeter a inesgotáveis manobras procrastinatórias um procedimento exemplar e competentemente instruído, como o são quase todos os conduzidos pelo MPE. “Mesmo que o Procurador Rodolfo Alves esteja passando o bastão, o colega dele que o suceder deve ter o mesmo zelo no sentido de agilizar, de cobrar os trâmites devidos no tempo devido”, falei, acrescendo a minha lembrança de que a primeira cassação de Cássio Cunha Lima como governador aconteceu no TRE em 30 de julho de 2007, ou seja, sete meses após a posse dele como reeleito para um segundo mandato. “Por que agora seria tão diferente, se os prazos são os mesmos, a Justiça é a mesma e a lei, também, salvo as alterações que a tornaram mais rigorosa graças à Ficha Limpa? Sei que os juízes são diferentes, mas por que eles desconsiderariam ou subverteriam tanto assim o que foi apurado ou defendido para favorecer uma das partes? Será que isso é assim tão fácil de fazer?”, perguntei, dando nitidamente às perguntas os tons e contornos de escolhidos argumentos.
Nesse ponto, feito Gosto Ruim um terceiro elemento incorporou-se à discussão para jogar um pouquinho de gasolina na chama acesa. Começou dizendo que depende realmente de ‘clima’ e não da lei fazer fluir ou retardar um processo. Reconheceu que sob as condições de temperatura e pressão atuais, o ‘clima’ é tremendamente benéfico ao réu. “E fica melhor ainda se ele estiver disposto a tudo e um pouco mais para manter sob controle as condições atmosféricas que lhe sejam mais confortáveis”, emendou, com indisfarçada ironia. Pelo esfregar de indicadores e polegares com que acompanhou as suas palavras, deu a entender que a expressão ‘manter sob controle’ significaria corromper os possíveis julgadores ou os julgadores possíveis de serem corrompidos. Reagi com justificado espanto e manifestei a minha mais absoluta descrença nessa possibilidade, pois acredito mesmo, de verdade e piamente, na integridade de todos os membros do TRE.
Os corruptos são minoria
Recuso-me a aceitar com naturalidade aquele tipo de insinuação, mesmo sabendo da existência de denúncias comprovadas de magistrados que vendem despachos, liminares, pareceres, votos, sentenças... Mas esses constituem uma minoria desprezível, tanto do ponto de vista moral como estatístico. A imensa maioria dos nossos juízes, desembargadores e ministros de tribunais superiores é formada por homens probos, incorruptíveis. Daí não vejo como possa ser fácil ou trivial alguém sair por aí comprando juízes e decisões judiciais para se livrar de punições previstas em lei. Além do risco da transação, quando a mercadoria é ‘boa’ e o tabuleiro, sujo, quem vende tem enorme dificuldade parar entregar. E se entregar, uma vez contaminado pela sujeira, o que foi vendido apodrece ligeirinho adiante. O ponto de fenecimento ocorre inapelavelmente numa instância superior, numa revelação a público do que foi negociado ou, simplesmente, pela reforma da decisão tomada no tribunal a quo, como dizem lá no Fórum.
Reversão até ‘lá em cima’
Lamentavelmente, o meu categorizado interlocutor está convencido de que para um lado ou para o outro, para o bem ou para o mal, a reversão de qualquer desfecho pode acontecer perfeitamente tanto aqui “como lá em cima”. Discordo radical e frontalmente. Tenho no mesmo e mais elevado conceito os julgadores daqui e os prováveis revisores dos julgados do TRE. Ou seja, aposto na lisura dos ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Além do mais, gente boa, os processos judiciais costumam ter duas partes interessadas, no mínimo. Elementar supor que a parte autora, que pede a cassação de um governador, por exemplo, esteja ‘de olho’, vendo e ouvindo tudo o que se passa. Por óbvio, age, pressiona e requer as providências devidas de tramitação e encaminhamento que cabem ao corregedor, ao relator e ao procurador regional eleitoral. Ou não? Ou posso imaginar que os advogados das coligações promoventes das demais aijes e aimes sejam relapsos, incompetentes, inertes? Pelo contrário. Até onde me é dado perceber, na peleja jurídica do terceiro turno, os times que entraram em campo desde o primeiro, de um lado e doutro, são da melhor qualidade.
De qualquer sorte ou azar, será que a minha ingenuidade é tamanha ao ponto de não conseguir entender ou aceitar que aqui na Paraíba, e somente aqui, aijes e aimes caminhariam ou se esconderiam em gavetas ou sob togas venais ao talante apenas e tão somente da parte que se encontra no poder? Não, sinceramente, não tenho como admitir que seja assim. Até por que, como se não bastasse, tenho em alta conta a inteligência dos nossos magistrados. Fico pensando que é estupidez um juiz julgar contra a prova dos autos. Inclusive porque a partir daí ele pode virar alvo de uma dupla suspeição: a primeira, de que não sabe Direito; a segunda, de que merece a fama de suspeito.
Jornal da Paraíba
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