Abordei, tempos atrás, de maneira bastante ligeira, em uma crônica, o problema da santidade. Isso me valeu algumas descomposturas de damas e mães de família, pressurosas em espinafrar um homem "que não entende nada de santidade" e que se mete, com imprudente constância, a falar no assunto.
Todas as espinafrações vieram de pessoas católicas. Creem elas que só por meio do catolicismo é possível a santidade, como se houvesse um único e imutável tipo de santidade.
Não estou aqui para gastar latim à toa, ensinando os princípios mais elementares do problema. Mas gostaria de acentuar, mais uma vez, o caráter existencial do santo, independente de qualquer ascese, de qualquer mística. Há santos na Antiguidade clássica, na pré-história, no Tibete, nas regiões mais bárbaras da África.
Há santos que praticaram a antropofagia e há santos que comeram gafanhotos, como são João Batista –um santo autêntico, independente de sua consanguinidade com o Redentor. Por falar em Redentor, este foi um santo existencialmente completo, independente também de qualquer credo religioso ou filosófico. No mesmo caso está o hedonista Maomé, o materialista Lênin, e muitos outros vultos pomposos ou não da História Universal ou da nossa história particular.
Há a santidade sem-Deus, que Albert Camus descreveu com abundância de princípios, e há a santidade com-Deus, cujo maior exemplo, para mim, é a do Cura d'Ars. E há, sobretudo, a santidade com-o-Homem, cujo protótipo seria Francisco de Assis.
Enfim, há mil tipos de santidade e todos eles só têm em comum o caráter existencial (ou até mesmo existencialista) da santidade, da pureza, da reta intenção.
Não desejei insultar ninguém que pensa diversamente, mas bem que poderiam dispensar o insulto ao adversário.
Folha de São Paulo
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