Marcia
No início do século passado, ser feliz no casamento
significava dividir afeto com o cônjuge, ter estabilidade familiar, dando
carinho aos filhos e vivendo com segurança financeira. Era comum que a
correspondência de época desvendasse os sentimentos entre casais separados por
motivos de trabalho. Mulheres revelavam as saudades de maridos que trabalhavam
em outra cidade, e eles, por sua vez, sentiam remorsos por afastar-se de suas
companheiras. Amor conjugal e amor familiar se davam as mãos.
Naqueles tempos, o cumprimento dos papéis — ser bom marido e
devotada esposa — não podia ser ignorado sob pena de severas sanções sociais.
Responsabilidades eram exigidas de parte a parte pela sociedade: conduta
dominadora e virtuosa do homem. E castidade e submissão da mulher. Qualquer
ameaça ao poder masculino tornava-se fator de desentendimento. Se os valores
tradicionais fossem ameaçados, o marido reagia. E devia fazê-lo sob pecha de
ser considerado “corno manso”. Por outro lado, o abandono do lar, as ausências
prolongadas ou desmandos eram considerados motivos de desonra. Sua primeira
obrigação: ser provedor e exercer a maior vigilância sobre a mulher. Ai da má
esposa ou mãe! As “honestas” não saíam nunca à rua sem companhia. Eram vistas
como seres frágeis e recatados. Suas faculdades afetivas tinham que predominar
sobre as intelectuais. O mais alto valor feminino? A reputação.
Em casa, um homem era tudo. O direito, a filosofia, a
política contribuíam, então, para assentar sua autoridade. Ele é quem dava o
sobrenome e a luz, pois, segundo alguns juristas, “o nascimento jurídico era o
único verdadeiro”. O Código Civil estabelecia a superioridade absoluta do
marido no lar, e do pai na família. Esta onipotência se estendia aos filhos:
mesmo maiores de idade tinham que ter “respeito sagrado pelo autor dos seus
dias”. O pai podia mandar prender os filhos e recorrer às prisões do Estado
para puni-los. Só ele dominava o espaço público, pois era o único a gozar de
direitos políticos e domésticos: senhor do dinheiro, vigia dos passeios e da
correspondência feminina, provedor de decisões fundamentais ou pedagógicas,
cabia-lhe até escolher os estudos para os filhos.
Mas ele se impunha no cotidiano também. Tinha seu espaço, o
escritório ou a biblioteca, onde os filhos entravam tremendo. Qualquer decisão
do pai ou marido se fundava nos argumentos da ciência e da razão. Contra a
mulher, considerada na época um ser devoto e tacanho, influenciável pelos
sentimentos, tentado pela paixão, espreitado pela loucura, o pai — o homem —
devia defender os direitos da inteligência. As questões domésticas eram
importantes demais para ficar só nas mãos das mulheres. O poder ameaçado de um
pai ou marido podia levá-lo a cometer crimes, sem manifestar por isso qualquer
culpa.
Mary del Priore–
Historia Hoje
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