terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

A responsabilidade histórica do PT em 2014


Marco Aurélio Weissheimer

O que o PT deve disputar nas ruas não é a direção de um movimento sem cara definida, com máscaras ou capuzes, mas sim seu projeto, sua história e seu governo.

O Brasil viverá uma encruzilhada em 2014. Não parece haver exagero em afirmar isso. Afinal de contas, no final do ano, saberemos todos se o país seguirá trilhando o caminho do projeto iniciado com o governo Lula, em 2003, ou se andará para outra direção. Não só o Brasil. O futuro político de toda a América Latina será influenciado pela eleição brasileira.

Num certo sentido, o cenário é relativamente tranquilo para a reeleição do atual projeto. A presidenta Dilma Rousseff lidera com folga as pesquisas e recuperou os índices de popularidade de seu governo que sofreram um baque logo após os protestos de rua de junho de 2013. Em outro, porém, está longe de ser tranquilo. No meio do caminho tem um negócio chamado Copa do Mundo e movimentos de rua que pretendem inviabilizar a realização do evento ou, ao menos, criar um ambiente caótico, cujas repercussões políticas são imprevisíveis.

Os diversos grupos e movimentos que estão dispostos a sair para as ruas não tem nenhuma unidade programática. Há um pouco de tudo: anarquistas, direitistas, esquerdistas e uma miríade de outros istas. Todos dispostos a denunciar “tudo o que está aí”, justamente no momento em que o Brasil, tomando como comparação a sua própria trajetória, vive o melhor momento de sua história. Sobre esse ponto, vale recordar uma observação feita no ano passado por Flávio Koutzii, um militante histórico do PT e da esquerda latino-americana, com experiência e acúmulo em várias lutas, inclusive a armada:

“Um dos paradoxos da situação provocada pelos protestos de rua que sacudiram o Brasil nas últimas semanas é a impressão, estimulada por alguns setores bem identificados, de que o país estaria acabando quando, na verdade, está começando um novo ciclo, em um novo patamar. É claro que há problemas relativamente agudos na educação, na saúde e na segurança, mas não podemos fazer de conta de que não existiram os grandes avanços que o país teve nos últimos anos. Estou convencido de que esse é o melhor Brasil que nós temos depois da ditadura”. (Entrevista ao Sul21, 1º de julho de 2013)


A situação é paradoxal e contraditória mesmo. O Brasil nunca teve em sua história o conjunto de políticas sociais que têm hoje que, se por um lado, não são suficientes para resgatar as dívidas do Estado brasileiro para com seu povo, por outro, melhoraram objetivamente as condições de vida de milhões de pessoas. Lembrando as palavras da ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Tereza Campelo, no recente Fórum Social temático realizado em Porto Alegre, “estamos falando do poder transformador de uma infância sem fome, já são quase 12 anos de uma infância sem fome” . Mas, como se sabe, a gente não quer só comida e aí estão os enormes desafios a serem enfrentados no presente, como mostram as mobilizações envolvendo a situação do transporte público no Brasil.

E aí os paradoxos e contradições não são menores. Só há possibilidade de alterar qualitativamente para melhor a situação do transporte público no país com investimentos públicos maciços nesta área. Para isso, entre outras, coisas é preciso ter poderes públicos com capacidade de planejamento e execução, ou, em outras palavras, é preciso ter Estado com capacidade de investimento e planejamento. E, para ter um Estado com essas características, é preciso ter política, partidos e organizações sociais fortes e com inteligência suficiente para executar essa tarefa.

O discurso anti-política, anti-representação e anti-tudo que ecoa em vários dos grupos que estão na rua conspira contra tudo isso e se alinha, objetivamente, aos partidários do Estado mínimo.

Esse é um dos grandes paradoxos que sobrevoa essas manifestações: elas podem tomar o rumo oposto do caminho que, supostamente, querem seguir. Não será exatamente uma novidade. A grande revolta popular no Egito, que levou muitos a saudar com entusiasmo uma Primavera Árabe, resultou numa ditadura e não mexeu na estrutura de poder econômico, político e militar do país. Os protestos de rua que sacodem a Ucrânia agora registram um crescimento expressivo de grupos neonazistas, ultra-nacionalistas e xenófobos. Isso não implica dizer que isso acontecerá aqui no Brasil também, mas recomenda, no mínimo, um pouco de prudência e cautela na hora de avaliar a conjuntura para evitar o risco de jogar fora o bebê com a água do banho.

Neste contexto, o PT tem um papel fundamental a cumprir. Afinal de contas, é o partido que lidera o projeto que vem sendo implementado no Brasil desde 2003. E terá que fazer isso (ou não) com todos os problemas que tem hoje: processo de burocratização, perda de quadros para a máquina estatal, mergulho no pragmatismo eleitoral, enfraquecimento da capacidade de formação e formulação política, etc., etc). Qualquer petista que conviva com a vida diária do partido sabe quais são esses problemas. Pode divergir, aqui e ali, quanto à intensidade dos mesmos, mas dificilmente quanto á sua existência. Mas o partido tem lá suas virtudes também e é com elas que pode contar para enfrentar essa situação repleta de paradoxos e contradições: está prestes a completar 34 anos de vida, o que significa uma experiência política que não deve ser desprezada, tem experiência de governo acumulada em todos os níveis e possui, com todos os problemas que enfrentou nos últimos anos, uma ampla base social e militante espalhada pelo país. Não é pouca coisa.

Talvez o principal desafio que o PT precisa enfrentar neste momento é sair da posição defensiva e reativa em relação aos protestos de rua. Em junho de 2013, isso foi até compreensível, pois o fenômeno pegou praticamente todo mundo de surpresa. Mas já não é mais uma novidade para ninguém. E ninguém poderá dizer que foi pego de surpresa com o que vier a acontecer este ano. O PT precisa voltar a ter voz, seus dirigentes, parlamentares e militantes mais experientes precisam falar, conversar aberta e francamente com a sociedade, defender o projeto em curso no Brasil, reconhecendo os problemas e buscando soluções em conjunto com a sociedade. Sair da posição defensiva e reativa é fundamental. O PT nasceu nas ruas, não é um território estranho para seus militantes e dirigentes.

Não se trata de disputar a direção dos movimentos que estão nas ruas. Nada disso. Trata-se de conversar com a sociedade, não por meio de notas burocráticas saídas de reuniões de diretórios e executivas, mas por meio da voz e da inteligência de seus melhores quadros, de respostas políticas cuja velocidade corresponda à dinâmica das ruas e da conjuntura. O que o PT deve disputar nas ruas não é a direção de um movimento sem cara definida, com muitas caras, ou com máscaras e capuzes. O que o PT deve disputar nas ruas é o seu projeto, a sua história e o seu governo. Eventualmente, dependendo do andar da carruagem, terá que fazer isso inclusive contra anônimos, black blocks e outros bichos dessa fauna que já mostrou, em várias situações, que aposta na violência como o caminho para se seguir sabe lá para onde.

É o PT que tem que fazer isso, fundamentalmente, e buscar o apoio do máximo de aliados que puder. Esse é o papel de um partido dirigente. Não serão o PMDB, o PTB, o PSOL, o PSTU ou o PP que abraçarão essa bronca. Com crise de representação ou sem crise, com burocratização ou sem burocratização, com flacidez programática ou sem flacidez programática, os petistas precisam arregaçar as mangas, abrir o armário de sua experiência partidária, tirar de lá suas melhores roupas e fazer o que já fizeram várias vezes em sua história: política de alta intensidade em defesa de seu projeto. Ao fazer isso, não estará fazendo apenas por sua história mas, principalmente, pelos milhões de pessoas que começaram a se tornar cidadãos de uma nação a partir de 2003. Estão aí seus principais aliados.

Carta Maior

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