terça-feira, 1 de junho de 2010
Além do limite da selvageria
Não há justificativa para o ato de selvageria cometido por militares israelenses contra o comboio marinho de ajuda humanitária que estava seguindo para a Faixa de Gaza. A ação foi um ato de corsários - piratas a serviço de um governo, em uma definição simplista do termo - não interessados em moedas de ouro, mas em impor, pela força, um estado cada vez mais isolado em seu próprio rancor. Israel foi uma criação da ONU para encerrar a diáspora judaica em um momento em que o mundo se descobria diante do horror dos seis milhões de executados em câmaras de gás nazistas pela Shoah (o Holocausto). A culpa pela omissão da Europa diante dos horrores ajudou a consolidar a ideia de que era importante libertar o povo judeu dando-lhes um país para morar. Um pleito justíssimo que o Brasil, com Oswaldo Aranha, ajudou a tornar realidade.
Hoje, ao ver as imagens gravadas pela rede Al Jazeera do ataque não pude conter o espanto e a indignação. A impunidade absoluta e o cinismo hipócrita que percorrem a espinha dorsal do estado israelense hoje firmaram o pacto de consciência que transformou todo soldado israelense em um assassino em potencial. Não pela índole, o que seria uma generalização injusta com os muitos cidadãos daquele país que reprovam esse comportamento paranóico e agressivo, mas pela doutrina. Os comandos que invadiram um navio turco em águas internacionais são a síntese do brand que Israel - e isso vem da progressiva depuração do ideal de Teodor Herzl - faz força para passar ao mundo, como uma mensagem permanente. Em um noticiário que andou ocupado pelo acordo entre Brasil, Turquia e Irã, claramente reprovado pela aliança EUA-Israel, o ataque dessa segunda-feira é uma espécie de resposta ao mundo. Mais que isso, foi uma cusparada. A justificativa que recebi em um comunicado pela internet é a de que os soldados reagiram a um ataque com "facas e revólveres". Ainda que fosse, não seria o caso? O navio turco foi invadido por tropas que não tinham qualquer mandato para tal. Eu teria reagido da mesma forma.
É curioso acompanhar as repercussões do ataque. Principalmente dos Estados Unidos: duas vezes humilhado pelo governo de Benjamin Netaniyahu, o presidente Barack Obama não pode correr o risco de ver, pela terceira vez, seu único aliado incondicional no Oriente Médio o ridicularizar. Assim, a primeira observação de um porta-voz da Casa Branca foi a de lamentar o ocorrido, porém, em vez da habitual condescendência dada a permanente ameaça dos vizinhos que consta invariavelmente de qualquer comunicado sobre incidentes na região, desta vez o porta-voz disse que "os EUA estavam tentando compreender o ocorrido". Quando se fala compreender entende-se montar uma estratégia de relações públicas que possa reverter o repúdio mundial e, ao mesmo tempo, conter qualquer tentativa de apuração do ocorrido no âmbito da ONU. Mas a batalha será pesada.
O maior erro desse ataque, além da operação em si, com dez mortos, é o fato de que Israel atirou no próprio pé. A Turquia está no Conselho de Segurança como membro temporário e é um importante aliado que o governo de Tel Aviv possui na região. O comércio entre os dois países é intenso apesar de a população turca, majoritariamente muçulmana, não ser muito simpática aos atos israelenses. Hoje, o embaixador israelense em Ancara foi chamado a dar explicações e o governo turco emitiu comunicados com termos duríssimos. Se há um país hoje que pode ser classificado como "rogue nation", é Israel.
Jornal do Brasil
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