quarta-feira, 9 de junho de 2010
O fim da história do Brasil ou um novo começo para ela
Luiz Werneck Vianna
A sucessão presidencial já está na linha do horizonte. Na superfície dos fatos, nenhuma indicação de que ela venha apontar para contrastes duros nos programas das candidaturas envolvidas na disputa, nem sinalizar para mudanças relevantes nos rumos da política. Afinal, o País conhece nestes quase 16 anos de governos paulistas do PSDB e do PT uma forte linha de continuidade em termos de política macroeconômica e de políticas sociais, e, entre as candidaturas concorrentes, duas delas, as mais credenciadas eleitoralmente, têm sua origem nesses partidos.
A continuidade na condução dessas políticas passou pelo teste severo da grande crise internacional, que abalou mercados e a própria economia capitalista, suportada pelo País sem maiores traumas. Passada a crise, consagrou-se, com razão, o diagnóstico de que seus piores efeitos teriam sido evitados graças aos “sólidos fundamentos da nossa economia” e do que seria o padrão de excelência vigente na regulação do nosso sistema financeiro, frutos, sem dúvida, de uma obra comum do PSDB e do PT, formatada e aperfeiçoada no curso dos seus governos.
Para essa impressão concorre também o estilo das duas principais candidaturas, Dilma Rousseff e José Serra, quadros com perfil forjado nas altas tarefas da administração pública, mais do que nos debates político-ideológicos. Nada surpreendente, portanto, que venham a ser, em boa medida, fiéis a esse estilo em suas campanhas eleitorais, impróprio, por sua natureza, às paixões. Vale dizer, nessa sucessão não se terá nem Jânio, nem Collor, nem Lula.
De modo mais geral, essa expectativa de uma disputa eleitoral destituída de agonística se alimenta, sobretudo, da difusa percepção de que os êxitos recentes na expansão do capitalismo brasileiro estariam a significar que a História do País, afinal, encontrou uma solução feliz. As conquistas econômicas e sociais teriam serenado o campo da política, cujas controvérsias girariam em torno de temas da administração e da gestão da coisa pública.
Caberia, agora, escolher entre os candidatos o mais preparado para continuar o script consagrado no sentido do seu aprofundamento e, uma vez que o País já se acharia com suas instituições estabilizadas e assentado o seu caminho futuro, lançar-se na aventura da sua imposição no cenário internacional.
A marca forte desse script estaria no reconhecimento de que a tarefa imediata imposta pelas circunstâncias seria a de completar a longa revolução burguesa no País, cuja mais forte indicação estaria na penetração do moderno capitalismo no mundo agrário, sede tradicional dos protestos sociais mais virulentos, de caráter moderno ou não, contra o sistema da ordem da propriedade. O sucesso econômico do agronegócio, sua elevação à arena política constituída, em particular, no Norte e no Centro-Oeste do País, sua presença no governo — federal e de Estados — teriam removido de vez as tensões que antes ameaçavam o campo, como nos idos de 1960, com o fantasma da revolução.
Sob essa nova marcação da conjuntura, em que o tema agrário teria sido deslocado da sua antiga centralidade nos conflitos de classes no País, os trabalhadores urbanos estariam circunscritos a uma agenda de reformas, personagens plenos do moderno, restando incorporar ao sistema da ordem, por meio de políticas públicas, as grandes massas sujeitas, no campo e nas cidades, a trabalhos precários e intermitentes e a uma vida sem direitos. Posto nessa plataforma segura, caberia ao capitalismo brasileiro reestruturar-se, sob a liderança do Estado e de suas agências, num processo audacioso de concentração e de centralização de capitais, transitando para uma forma superior de organização.
No governo Lula, o impulso nessa direção foi intensificado, instituindo-se numa estratégia definida, principalmente, a partir da crise financeira mundial de 2008. Vencido seu teste de resistência sob condições extremas, o que era apenas um esboço, ainda um experimento de ensaio e erro, uma estratégia ainda inominada, ganha corpo e alma. O que vinha sendo uma navegação numa linha quase reta, na rota traçada pelos governos do PSDB e do PT, mudou o seu sentido e já percorre outro caminho.
Nessa reorientação, fixa-se para o capitalismo brasileiro o objetivo de transbordar suas fronteiras nacionais, num esforço conjunto do Estado e das grandes empresas de capital nacional, na tentativa de exercer uma vocação conquistadora de tipo grão-burguês. Outra característica está na abertura do repertório da tradição brasileira de Vargas a Geisel, recuperando a fórmula do nacional-desenvolvimentismo como via de uma modernização conduzida “por cima”.
Nessa operação, o Estado traz a sociedade para dentro de si, convertendo-se num “parlamento” onde se tomam as decisões a serem legitimadas por um Poder Legislativo enredado, por meio das práticas do chamado presidencialismo de coalizão, ao Executivo. Tal estratégia, audaciosa em seus fins, é conservadora quanto a seus meios: ela não procura a mobilização dos seres subalternos, salvo quando sob seu estrito controle, e se limita a procurar soluções institucionais, conceitos e motivações ideais no baú dos ossos da tradição autoritária brasileira.
Assim, ela é enérgica e criativa, quando se trata de perseguir os seus fins de uma ordem grão-burguesa, e passadista e conformista na política, como na sua patética mimetização do Estado Novo e da ressurgência que promove, em nome da realização de fins “substantivos” de justiça, da “democracia social”.
Vista dessa perspectiva crítica, que recusa à nossa História o papel de prisioneiro passivo das fabulações que nos vêm do seu passado autoritário, a presente sucessão presidencial, longe do quietismo que tantos auguram para ela, pode datar um promissor recomeço.
Gramsci e o Brasil
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