O momento sucessório expõe a vulnerabilidade do regime presidencialista às aventuras golpistas. A democracia requer o reconhecimento formal da vitória de um candidato pelo adversário derrotado. O formalismo não é apenas protocolar, mas indicador de que as instituições continuarão a funcionar com a plena cooperação (mesmo que na oposição) do lado perdedor. Talvez o maior número de crises com desenlace antidemocrático na América do Sul tenha por origem a recusa do derrotado a reconhecer a legitimidade do pleito. Não se trata de moléstia tropical, contudo. Entre outros não tão frequentes exemplos em países considerados estáveis, agora mesmo Donald Trump não se cansou de anunciar recusa prévia a outro resultado que não o de sua vitória. Possivelmente um blefe, e improvável que o estamento político norte-americano o acompanhasse se não o fosse. Mas os minutos entre o anúncio do vencedor e o reconhecimento público da derrota são os minutos em que a democracia fica em suspense; mesmo nos Estados Unidos.
Houve no Brasil minutos de alta tensão depois da vitória de Juscelino Kubitschek, com subsequentes e frustradas tentativas de invalidar o resultado por militares inconformados. Depois de mais de meio século, atravessamos a turbulência gerada pela bem sucedida trama de Aécio Neves, imediatamente transformada em sólido bloco político-midiático, desdobrada em impedimento da presidente Dilma Rousseff. No instante atual, não só a perspectiva da própria eleição desagrada a muitas figuras do atual condomínio como a condução do processo pré-eleitoral se faz por mal traçadas linhas, com cerceamento de políticos por razões altamente controversas e sussurros de que certos resultados seriam inaceitáveis. O momento de confusão de identidade envolvendo o Judiciário, especialmente as togas maculadas do Supremo Tribunal Federal, adiciona balbúrdia às suspeitas sobre a solidez das instituições.
Supondo ultrapassado sem estilhaços o desafio eleitoral, aí será a vez da prova dos nove da Lava Jato. Nenhum democrata aceita a hipótese de que as investigações sejam interrompidas. Ao contrário, ao longo de toda essa escavação espera-se o aparecimento de formas constitucionais de manter o Estado brasileiro, em todos os seus níveis, submetido a vigilância preventiva e reparadora de atentados à economia nacional. Por sua própria natureza, a demorada condução desse processo não pode permanecer em mãos de personagens claramente preconceituosos e seletivos, arbitrários e desafiadores dos cânones de normalidade da execução judiciária. Resultado e alimento da volubilidade e complacência do Supremo Tribunal Federal, o aparato envolvido nos absurdos cometidos por instâncias do judiciário, por agentes do Ministério Público e da Polícia Federal, há que haver imediatamente pós-eleição uma reformulação a jato do pessoal e das regras de conduta da investigação. Ou isso ou o novo presidente, por mais que privilegiado nas urnas, não governará com autoridade e autonomia.
Os partidos interessados deveriam mostrar ao eleitorado que o problema das eleições inclui avaliação sobre que candidatos teriam disposição e convicção democrática para colocar a Lava Jato a serviço do tesouro da nação, e não aos interesses de uma coalizão de conservadores.
Segunda Opinião
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