sexta-feira, 27 de julho de 2018

Renda Mínima Universal. Valério Arcary avalia.


Tem muita gente honesta, e até radical na esquerda brasileira, fascinada com a ideia de uma renda mínima universal. A proposta tem como argumento a experiência de um Fundo Permanente no Alasca que distribui, desde 1982, uma parte dos dividendos gerados pela exploração do petróleo para todos os residentes, independentemente, de qual seja a sua renda. Você pode pensar: pagar para alguém querer morar no Alasca parece algo razoável como compensação pelo clima glacial. Mas não é. Porque o tema é mais complicado.

O valor distribuído oscila em função das variações nos preços do petróleo. O valor já oscilou entre US$US$3.000,00 e US$700,00 por ano. Mas é bom saber que não é possível viver com essa grana.

Isso não impediu que o governo da Finlândia tenha autorizado, também, uma avaliação controlada deste projeto de política na forma de um teste, substituindo parte de seu sistema de benefícios de desemprego por uma renda básica universal. Na Finlândia os beneficiados pela renda mínima tinham que renunciar a usufruto de outras políticas públicas. Até na Holanda algumas prefeituras fazem, também, uma experiência.

A inviabilidade econômica da renda mínima, embora não seja, somente técnica, é vital para determinar seu caráter político. Isso porque os efeitos da renda mínima dependem, em primeiríssimo lugar, de quanto seria distribuído para cada um. Todos os cálculos disponíveis indicam que os efeitos da introdução de uma renda mínima universal, necessariamente, em substituição de políticas como obras públicas, salário-desemprego, previdência e assistência social seriam regressivas. A vida iria ficar mais difícil, e não há razões para acreditar que teria impacto na redução da pobreza ou da desigualdade social.

A socialdemocracia europeia aderiu a esta proposta: foi um dos eixos da última campanha presidencial na França, através de Benoit Hamon. Mark Zuckerberg do Facebook apoia. Ainda não há um balanço disponível. Muitos entre os defensores da renda mínima consideram obsoleto tentar a luta pelo pleno emprego, através da redução da jornada de trabalho, embora no Brasil a jornada semanal ainda seja, legalmente, de 44hs semanais, e prevalece em muitos setores da economia. Estas ideias despertam alguma empolgação, mas se desconhece a origem desta proposta.

Ela está inserida em uma elaboração que remete ao Banco Mundial e à necessidade de focalização das políticas sociais, em alternativa à extensão universal de direitos que prevaleceu nas três décadas de pleno emprego do pós-guerra[1]. Foi reformulada como alternativa tanto ao “Quantitative Easing” (QE), quanto ao “Helicopter Money” [2]. A proposta de distribuir dinheiro sem contrapartidas pode parecer instigante, mas não é, teoricamente, absurda, nem tampouco, politicamente, de esquerda. Foi defendida, seriamente, depois da crise de 2008, até por economistas liberais que argumentaram a favor do “helicopter money” como alternativa ao QE (Quantitative Easing) ou relaxamento monetário.

O dinheiro do helicóptero é uma referência a uma idéia popularizada pelo economista norteamericano ultraliberal Milton Friedman lá atrás em 1969. A ideia principal é que, se um Banco Central quiser contornar uma situação de deflação, e fomentar o aumento da produção de uma economia que esteja funcionando, qualitativamente, abaixo do seu PIB potencial, uma ferramenta eficiente seria, simplesmente, dar a todos os cidadãos, em caráter transitório, transferências diretas de dinheiro.

Os programas de relaxamento monetário (QE) realizados pelos Bancos Centrais desde a crise financeira envolvem compras em grande escala de ativos dos mercados financeiros. Estas compras foram direcionadas pelo FED (Banco Central dos EUA sob a direção de Bem Bernanke) a títulos da dívida pública do governo. A principal diferença entre a QE, como foi realizada e o “dinheiro de helicóptero”, como previsto por Friedman, é que a grande maioria das compras foi uma troca de ativos, onde uma dívida pública é trocada por reservas bancárias.

A renda mínima parece, portanto, ser capaz de mágicas como unificar setores da direita, centro e esquerda. Para frações do ultraliberalismo conservador brasileiro ela é mais eficaz porque elimina obstáculos burocráticos como cadastramentos e controles. Para parcelas da esquerda ela diminue a pobreza, mas ao distribuir para todos, mesmo para os setores médios e abastados, ela contorna o mal estar do ressentimento social.

Argumentam que seria retrogrado pensar a partir de conceitos antiquados ou “fora de moda” como classes sociais, diante da realidade devastadora que se desenha com a introdução de inteligência artificial, automação e desemprego estrutural. Uma nova revolução tecnológica impulsionada pelo capitalismo na era da “economia do conhecimento” seria um progresso incontornável.

A premissa oculta por trás da proposta da universalização de programas de renda mínima é uma rendição ideológica irreversível. Significa aceitar que o capitalismo não garantirá mesmo trabalho para todos, mas não podemos defender propostas que desafiam os limites do capitalismo. Assim, em conclusão, é preciso que nos resignemos a viver em um tipo de sociedade na qual uma ou duas em cada cinco pessoas terá que viver de uma renda mínima garantida pelo Estado e, portanto, será uma “clientela crônica”.


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