O judiciário brasileiro ao longo de sua história legitimou golpes, permitiu ataques ao estado de direito e à Constituição do país. Foi assim em 1964 no golpe militar e agora em 2016 neste recente golpe jurídico-parlamentar. Como tenho falado nas mazelas do nosso judiciário com demasiada frequência, estava tentando evitar o tema para não ser repetitivo. Infelizmente não está sendo possível, “suas excelências” não param de aprontar.
O corporativismo exacerbado, a “gula” pecuniária geraram o auxílio-moradia e o absurdo projeto da nova Lei Orgânica da Magistratura (LOM), elaborado no Supremo (STF), propondo a criação de novos privilégios e o aumento substancial da já elevada remuneração dos magistrados.
De um Supremo que há quatorze anos tem a lamentável figura do ministro Gilmar Mendes como principal porta-voz, não dá para se esperar muito. Recentemente ele atacou os tribunais trabalhistas, acusando-os de parcialidade. Os juízes trabalhistas na opinião de Gilmar decidem quase sempre a favor do trabalhador, contra a patronal, para ele um abuso, um absurdo. Como sempre Gilmar não deixa nenhuma dúvida de que lado está.
Agora, o STF vai apreciar a súmula 331, do Tribunal Superior do Trabalho (TST) que trata da liberação da terceirização no país. O relator é o ministro Luiz Fux, aquele mesmo que aprovou o desconto dos grevistas sem prévia decisão judicial. Um golpe duro no direito de greve. Sua escolha já um indicativo de que o trabalhador brasileiro deverá ser vítima de um novo ataque aos seus direitos. Ele tem, também, o péssimo hábito de conceder liminares a políticos que perderam o mandato em decorrência de práticas ilícitas, condenados pelos Tribunais Regionais Eleitorais (os TREs). E o pior é que o julgamento do mérito nunca ocorre em tempo hábil e o “punido” fica “pendurado” até o fim, mas consegue exercer integralmente seu mandato.
Na semana passada, dias 3, 4, 5 e 6 de novembro a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) realizou o VI Encontro Nacional dos Magistrados Estaduais (ENAJE) em um resort cinco estrelas em Porto Seguro (BA). Até aí tudo bem. Acontece que uma empresa com extenso passivo judicial, com várias condenações por crimes fiscais, trabalhistas e ambientais, a Veracel foi patrocinadora do evento. A empresa tem 19 ações de execução fiscal e é demandante em 59 ações o que, obviamente, não recomendaria que fosse aceita como patrocinadora.
Convidada para proferir o discurso de encerramento do evento, Carmen Lúcia, a atual presidenta do STF, defensora da “PEC da Morte” prudentemente recusou o convite. A mesma cautela não teve o ex-presidente Ricardo Lewandowski que aproveitou o evento para renovar o seu lobby sindical: disse que os juízes não devem ter vergonha de reivindicar aumento salarial e defendeu a elevação do teto dos atais 33,7 mil para 39,7 mil reais. Foi entusiasticamente aplaudido. Cabe observar que a lei fixa um teto que os juízes transformaram em piso, valor mínimo que é acrescido de inúmeras outras vantagens.
A imprensa noticiou que alguns tribunais estaduais pagaram diárias a magistrados participantes do evento, fato negado pela organização do evento mas que deve ser devidamente esclarecido. Sérgio Moro, como não poderia deixar de ser, foi o convidado “ilustre” do evento.
Nem tudo, porém, são trevas no judiciário brasileiro. Cresce um movimento anticorporativo sendo gerado lá, dentro dele. Me refiro à Associação dos Juízes para a Democracia (AJD).
Fundada em 1991 a AJD completou em maio passado 25 anos. Foi fundada por profissionais egressos da faculdade de Direito da USP, cresceu e hoje tem associados em todo o país. Tem ligações com entidades semelhantes existentes na Itália, Espanha e em vários países da América Latina. É um sopro renovador, que defende a democratização do poder judiciário.
Suas propostas incluem a defesa das cotas raciais para ingresso na magistratura, a mudança dos atuais critérios para promoção de juízes e da atual sistemática de escolha dos ministros do Supremo. Propõem, também, a alterações na realização dos concursos à magistratura, com a participação dos juízes de primeira e segunda instância, da OAB e das Universidades. Defendem a participação plena dos magistrados nas eleições dos Tribunais de Justiça (os TJs), hoje prerrogativa restrita aos desembargadores. Afirmam que é imperioso que o Judiciário brasileiro se submeta ao controle da sociedade. Pode ser que assim um juiz que cometer crimes graves, como por exemplo venda de sentença ou recebimento de propina, não mais fique impune recebendo uma boa aposentadoria.
A AJD se posicionou contra a terceirização (Súmula 331) e contra a PEC 241, a favor do movimento de ocupação de escolas.
Paulo Muzell é economista.
Sul 21
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