quinta-feira, 1 de setembro de 2016

O discurso de Dilma e o fim da era da conciliação

Luiz Araújo*, Juliano Medeiros**

Esta semana o Senado Federal deve concluir o processo de impeachment de Dilma Rousseff. Com isso, pela primeira vez desde o fim da Ditadura Militar, o Brasil terá um governo ilegítimo, fruto de um golpe parlamentar. O PSOL nunca fez parte das gestões de Lula e Dilma. Desde sua fundação, nosso partido sempre esteve na oposição aos governos petistas, exatamente por não concordar com as alianças feitas pelo PT para garantir a famigerada “governabilidade” e com os rumos de sua política econômica. Por isso, nunca tivemos cargos ou ministérios nos governos petistas. Apesar disso, nos engajamos firmemente na luta contra o golpe, já que consideramos inadmissível apoiar a deposição de uma presidenta legitimamente eleita sem a comprovação de crime de responsabilidade ou manter-se alheio à luta política que se trava no país.


Ao contrário do que a maioria das pessoas pensa, Dilma não foi afastada pela corrupção em seu governo. Ela foi afastada por decretos e medidas fiscais (as tais “pedaladas”) que foram promovidas por todos os ex-presidentes e por inúmeros governadores. Por isso o governo Temer é ilegítimo: ele é produto de um impeachment realizado sem a comprovação de crime de responsabilidade. E por que o golpe foi promovido agora? Porque o mercado exige a implementação de medidas “impopulares” que nunca teriam apoio da maioria da população nas eleições, como a privatização da saúde e da educação, o fim das políticas sociais ou uma reforma da previdência que retirará direitos das mulheres. O golpe, portanto, é uma iniciativa do mercado e seus parceiros no Congresso Nacional, partidos corruptos que não têm nenhum compromisso com os direitos sociais. Por isso o PSOL disse não ao golpe e defende, com o afastamento definitivo de Dilma, o impeachment do corrupto Temer e a convocação de eleições presidenciais, como prevê a Constituição Federal, para devolver ao povo o direito de decidir.


O discurso de Dilma

O discurso de Dilma, na manhã desta segunda-feira, foi o mais altivo e corajoso realizado por ela desde sua posse como presidente da República, em 2011. Infelizmente, foi tarde demais. Sua opção por fazer uma denúncia do golpe em curso, ao invés de tentar “convencer” os senadores supostamente indecisos, foi correta. Podemos dizer, com a intervenção feita por Dilma esta manhã, que o ciclo da conciliação chegou ao fim no Brasil. É claro que muitos partidos e lideranças não compreenderão esse marco e seguirão buscando alianças com os partidos que promoveram o golpe. Basta dizer que o PT, por exemplo, compôs alianças com partidos golpistas em mais de mil municípios brasileiros para as eleições municipais deste ano.


Se Dilma tivesse assumido a postura que assumiu esta manhã no Senado desde o início de seu segundo mandato, talvez o golpe não tivesse se consumado. Se não tivesse cedido às pressões do mercado implementando um duríssimo ajuste fiscal que retirou direitos e aprofundou a recessão, não teria minado o que restava de apoio junto às camadas populares. Se não tivesse entregado sete ministérios ao PMDB no começo deste ano, talvez parte da população não tivesse visto a luta em torno do impeachment como uma briga dos “de cima”. Se não tivesse buscado um acordo com Eduardo Cunha para evitar o processo contra si na Câmara dos Deputados, talvez o corrupto peemedebista tivesse iniciado o impeachment sem que o desgaste do governo Dilma agisse a seu favor. Mas a história “contrafactual” – isto é, aquela que se escreve com os fatos que não ocorreram – não pode explicar a realidade. Embora por vias trágicas, o fim da era de conciliação abre novas perspectivas e desafios para os setores democráticos, progressistas e de esquerda.


Evidentemente, o impeachment vai produzir enormes retrocessos. Sem a presença de uma oposição parlamentar e social substantiva ao governo Temer, ele poderá promover facilmente a retirada de direitos. Afinal é para isso que o golpe foi promovido. Por isso é preciso construir um novo polo social e político de esquerda que negue radicalmente a conciliação com os poderosos de sempre. Uma das lições destes 13 anos de governos petistas é que projetos reformistas só podem prosperar em contextos de expansão econômica: é a chamada política do “ganha-ganha”, em que as classes populares e as elites econômicas são beneficiados simultaneamente pelo crescimento da economia. Em contextos de recessão, no entanto, a disputa pelo fundo público amplia a polarização e radicaliza os conflitos de classe, como temos visto na Venezuela, onde a lógica da conciliação não foi o caminho adotado por Hugo Chávez.


Nossos desafios

Por isso, a destituição de Dilma e seu discurso na manhã desta segunda-feira marcam o fim deste ciclo de conciliação. A esquerda que surgirá dos escombros da crise petista deverá negar peremptoriamente a dependência em relação às classes dominantes. Deverá ser uma esquerda independente, combativa e plural. Hoje, o polo mais dinâmico desse processo de reorganização, que se iniciou com a crise do mensalão, em 2005, e ganhou fôlego com os primeiros protestos de junho de 2013, é o PSOL. Esse processo, no entanto, não se dará sem contradições. A figura de Lula, por exemplo, continua sendo o mais poderoso símbolo em favor da política de conciliação de classes. Ele segue tendo, seja por sua força carismática, seja pelos avanços sociais promovidos em seu governo, uma grande influência entre setores sociais fundamentais para este processo de reorganização. Por isso, construir uma alternativa independente nas eleições presidenciais em 2018 é uma necessidade incontornável.


Até lá, os setores sociais que lutaram contra o golpe deverão manter a frente única que se formou nos últimos meses. Essa frente, cuja principal expressão é a articulação em torno da Frente Povo Sem Medo, terá como tarefa principal o combate às medidas antipopulares do governo Temer. Esse enfrentamento começa na luta contra as propostas de congelamento dos salários e investimentos públicos e da reforma da previdência. Do resultado deste embate dependerá o ritmo e o sentido geral do processo de reorganização da esquerda. O PSOL estará na linha de frente desta luta, contribuindo com sua atuação parlamentar e nos movimentos sociais para derrotar Temer e construir uma nova síntese política capaz de fortalecer um projeto socialista, democrático e popular para o Brasil.


*Luiz Araújo é presidente nacional do PSOL.
**Juliano Medeiros é presidente da Fundação Lauro Campos.

Psol


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