A austeridade nunca funcionou. Reduzir deficit a qualquer custo não produz crescimento. Ao contrário, aprofunda a recessão, gera desigualdades e instabilidade política, criando terreno fértil para extremismo e xenofobia.
O fracasso dessa receita econômica ficou evidente há tempos. Usada pelo presidente norte-americano Herbert Hoover para enfrentar a crise de 1929, a fórmula transformou o crash numa Grande Depressão. Desde então, mesmo com falências sucessivas, essa política vem sendo empregada em planos do FMI, na América Latina e na Ásia.
Com essa análise de fundo, Joseph Stiglitz examina a situação europeia em "The Euro: and its Threat to the Future of Europe" [o euro e sua ameaça ao futuro da Europa].
Para o Nobel de Economia, a moeda única, fundada no arcabouço neoliberal e de austeridade, prejudica o avanço do continente, levando a uma crescente concentração de riqueza e de poder.
"A eurozona foi um belo edifício construído sobre fundações frágeis. As fissuras, claras desde o início, se acentuaram com a crise de 2008", avalia. Ele compara as amarras que o euro impõe a países com as do padrão-ouro. Enfatiza que a Europa não criou instituições políticas para erguer a cooperação para além do dinheiro unificado. Afirma que a história da região mostra como líderes sem preocupação com o eleitorado podem desenhar sistemas que não servem aos seus cidadãos.
Na sua visão, as estruturas econômicas criadas podem beneficiar uns poucos, mas "colocam em risco enormes parcelas de cidadãos". Assim, argumenta, a medida de sucesso de um programa econômico deveria ser o bem-estar dos cidadãos de seu país, "não apenas o 1% mais rico".
No decorrer do livro, Stiglitz, 73, vai desmontando um a um os paradigmas da austeridade adotados nos países europeus. Ataca o fundamentalismo ideológico dos que defendem a ideia dos mercados infalíveis e as privatizações. Combate o foco exclusivo no controle da inflação, apontando que as autoridades deveriam se preocupar mais com o emprego e o crescimento.
FOCO NA INFLAÇÃO
Nesse ponto, o alvo principal do economista é a atuação dos bancos centrais.
"O excessivo foco na inflação levou a um desemprego maior, o que ampliou a desigualdade", escreve.
Stiglitz refuta a fórmula de "banco central independente". "Não existe verdadeiramente uma coisa assim." As instituições, afirma, são capturadas por grupos de interesse. "Bancos centrais na maioria dos países são capturados por um pequeno grupo, o do mercado financeiro."
Ex-economista do Banco Mundial, ele lembra que, após a crise de 2008, os bancos centrais dos países desenvolvidos realizaram o maior pacote governamental de assistência ao setor privado jamais feito. "Esse programa de bem-estar corporativo para os bancos teve magnitude maior do que qualquer programa de bem-estar para os cidadãos comuns", dispara.
E tudo isso foi feito sem a participação de Congressos Nacionais –"não houve preocupação com a responsabilidade democrática", enfatiza. O Nobel recorda que o ajuste seguiu a regra de corte nos salários –uma forma, segundo ele, de "culpar a vítima".
O livro pondera que cortes de salários são benéficos para as corporações e seus acionistas só no curto prazo. Isso porque a falta de demanda provocada pelos cortes de salários rebaixa o consumo e aprofunda a recessão.
Depois desse diagnóstico demolidor, Stiglitz defende uma mudança radical: a transformação do euro em moeda flexível, dando aos países mais autonomia para enfrentar adversidades econômicas. Polêmico, o projeto é pouco desenvolvido na área política e geopolítica, ainda que seja detalhado em vários aspectos operacionais.
Como em "O Preço da Desigualdade" (2012), Stiglitz faz uma análise aguda e essencial para os dias que correm. Especialmente em terras onde vigoram austeridade e deficit democrático.
Folha SP
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