quarta-feira, 1 de junho de 2016

Triste momento



Cândido Grzybowski
Sociólogo, diretor do Ibase
 
Ao pensar na crônica semanal, que incorporei como uma atitude cidadã e republicana no meu modo de viver e no meu que fazer intelectual e político, me dei conta de que compartilho com muita gente uma tristeza enorme com o momento atual que vivemos no Brasil. O espaço público da política foi colonizado por interesses e forças que fazem tudo para se ocultar. Pior ainda é a corrupção que virou forma dominante de fazer política. O verdadeiro câncer que corrói a política, em última análise, é sua dominação por interesses e forças corporativas privadas e privatizantes, que não representam diferenças na política, mas capturam o espaço da política a serviço de interesses nada públicos. O que vem à tona são rasteiras e golpes sujos, que denigrem a política como espaço público de saudável disputa de ideias, sem necessidade de usar armas e fazer a guerra. 


Destaco aqui algo que incomoda e entristece particularmente: a corrupção na política — a mercantilização, na verdade, pois transformou tudo em determinado valor de mercado — como modo dominante do fazer política institucional. Vai governo e vem governo, a corrupção, como um câncer, revela as suas metástases. Estamos doentes. A democracia está doente. A democracia brasileira estancou aí. Ou transformamos isto pela força da cidadania ou morre a democracia. Sobreviver até podemos, mas sem a dignidade como cidadania instituinte e constituinte.

A minha geração, de muitos sonhos libertários e igualitários, enfrentou a ditadura militar, conquistou a democracia e fez a roda da história brasileira andar mais de um século em trinta anos de democratização. Mas estancamos em nós estruturais, de privilégios e de dominação, mais duros do que a rocha do Pão de Açúcar. Vendo o momento atual, sou levado a dizer que ganhamos, mas perdemos ao mesmo tempo. Eis aí onde está a origem da tristeza do momento. O que conseguimos pode ser desfeito pela canetada de um presidente oportunista e de um Congresso de maioria subserviente, federação de interesses privados, corrupta e disposta a se vender por preço maior. Será que nossos filhos e filhas, netos e netas, as novas gerações, enfim, vão conseguir fazer o que nós não fizemos, mudar substancialmente a lógica excludente e destrutiva da economia e do poder de “donos de gado e gente”? Aposto que sim, mas é tarefa para décadas e não apenas para meses e anos, mesmo tendo que começar no aqui e agora, nós junto.

Cabe aqui lembrar que o espaço democrático da política é para exercer o direito de se expor abertamente, assumindo e defendendo ideias e propostas, reconhecendo em todos os demais o mesmo direito. Por isto mesmo, a política na democracia transforma a diferença entre nós em disputa democrática de ideias e projetos, dando-lhe força de transformação permanente do vivido e praticado no poder, na economia e na própria sociedade. A disputa democrática ou, extensivamente, a luta política democrática (sem violência) só pode ser um método cidadão e republicano se baseada em princípios e valores éticos do respeito mútuo, do reconhecimento de iguais direitos para todas e todas, da liberdade de todo mundo de ser o que é e deseja ser, da solidariedade com quem precisa, da participação responsável.
A democracia brasileira está doente. Ou transformamos isto pela força da cidadania ou morre a democracia. Pode levar tempo, mas depende de renovar, hoje, a nossa determinação.

Bem, se é isto que afirmo, o que temos pela frente? O desmonte! A volta atrás! Conquistas democráticas de direitos de cidadania estão sendo postas em questão pelo Governo do Temer, interino, pois são vistos como entraves para a economia, para os negócios. Ao invés de adaptar a economia, o poder e as políticas às demandas da cidadania, a regra e as propostas que emanam do Planalto, com apoio da maioria oportunista do Congresso, é adaptar tudo aos interesses da banca, dos donos de agronegócio e minas, de industriais, comerciantes e especuladores interessados no tamanho de seus lucros e não no quanto podem ajudar a mais e mais gente usufruir de seus direitos fundamentais para bem viver. É uma tristeza só ver o país tão desgovernado em nome do bom governo! Aliás, bom governo ou governo para alguns? Nisso tudo, o incrível é a perda total de dimensão da nossa mídia dominante a serviço de um bem público como a informação. Os interesses privados e privatizantes tomaram conta de tal forma dos grandes meios de comunicação que a manipulação da informação contra o bom debate público de controvérsias gera, além de tristeza, asco e vergonha de termos meios assim. O assalto à EBC, em particular, é nojento.

Na verdade, nem vale a pena olhar para o Planalto e aquele bando no poder. Daí nada de bom virá. Vamos para o lado da vida, para as cidades e os territórios de cidadania, nosso endereço. Está difícil, mas dá para viver, rir e cantar até. Temos enormes forças em nossa diversidade, apesar da escandalosa desigualdade. Aqui, no local, também temos muitos problemas. Mas a vida, o sonho e a resistência têm raízes profundas. Se “tristeza não tem fim, felicidade sim”, o jeitinho é uma força, uma real resistência cidadã na adversidade. Temos que olhar mais para os nossos territórios, nossa cidade, nossa turma. Isto não há poder institucional que possa destruir. Mas reconheçamos, para virar ativismo cidadão precisamos voltar a sonhar que é possível mudar tudo isto, que outro Brasil é possível. Pode levar tempo, mas depende de nós hoje, a determinação que precisa ser renovada no dia a dia. A tristeza sempre pode ser sucedida por muita alegria.

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