Por Piero Locatelli
"Dá uma voadora no prefeito!”, gritava um mototaxista em frente à prefeitura de Macapá na quinta-feira 15. Seus colegas seguiram a ordem e esbofetearam um boneco de Clécio Luís, primeiro mandatário do PSOL em uma capital. Pendurado em uma árvore, o boneco foi inundado com gasolina e, após três tentativas frustradas, finalmente incinerado. Cerca de 200 condutores trancavam a avenida em frente à sede da prefeitura e pediam mais fiscalização da atividade ilegal.
No prédio ao lado, na Câmara de Vereadores, cerca de cem professores tentavam barrar um projeto enviado pela prefeitura. Os vereadores aprovaram um aumento abaixo do esperado por parte dos docentes. Uma placa na qual se lia “Clécio traidor” referia-se ao passado do prefeito, professor de geografia e sindicalista. “Eu apoiei ele, gravei até vídeo, mas graças a Deus não foi ao ar. Ele estava na luta com a gente, como não confiar numa pessoa dessas?”, perguntou, decepcionada, a educadora da rede municipal Nádia Serique.
No dia seguinte, em seu gabinete, Clécio se mostrava tranquilo. Segundo ele, as manifestações integram o cenário da cidade. “Macapá experimenta uma sensação de ebulição política há tempos. Com a proximidade das eleições, e com tudo que tem acontecido no Amapá, isso tem se tornado mais frequente.”
Apesar dos protestos, o projeto contava com o apoio do sindicato local e foi aprovado com apenas três votos contrários entre os 23 vereadores. Confrontado pela primeira vez com as restrições impostas pela governabilidade, o PSOL precisou dos votos de partidos como o PR, Pros e PSB, além daquele do único vereador do PT na cidade.
A vitória fácil na Câmara, diz o prefeito, não significa que haja fisiologismo ou acordos escusos. “O principal fator é a pressão popular. O outro é a realidade amapaense. Alguém do PSOL dificilmente cruza com o seu opositor do DEM nos lugares onde vai em um estado como São Paulo. Aqui, a gente cruza com todo mundo no boteco, no supermercado, na quermesse.”
Um dos vereadores a votar contra o projeto da prefeitura foi Lucas Barreto (PSD), aliado do senador José Sarney (PMDB-AP). O parlamentar apoiou o atual prefeito na última eleição. “O Clécio criou uma expectativa de pouco prazo que ele não conseguiu cumprir. Ele é equilibrado, preparado para ser prefeito. Mas vejo que ele está tendo muitos problemas na gestão.”
A administração de Macapá deve ser uma das vitrines do PSOL nesta eleição, dada a origem política amapaense do seu candidato à Presidência, o senador Randolfe Rodrigues. Desde a posse na prefeitura, a principal atividade de Clécio Luís tem sido colocar as finanças em ordem depois da gestão de Roberto Góes (PDT), preso na Operação Mãos Limpas da Polícia Federal ainda durante o exercício do mandato.
O prefeito busca adaptar as contas à Lei de Responsabilidade Fiscal, criticada por seu partido. Para reduzir a folha de pagamento, ele cortou mais de 600 cargos de confiança. “Questionar a LRF é um debate nacional, e o PSOL tem de continuar a fazê-lo. Mas não posso enquanto prefeito. Posso questionar a legislação, mas, se eu não cumpri-la, vou ser condenado igual a qualquer prefeito de direita.”
Reorganizar o Orçamento permitirá à cidade receber repasses do governo federal, principal fonte de renda do exíguo Orçamento de Macapá. Parte da receita é oriunda da terceira fase do PAC, esperança para melhorar o saneamento em um município onde o esgoto só chega a 6% da população. O Programa Mais Médicos também é elogiado pelo prefeito, para quem os cubanos “têm mudado a cara da cidade”. Clécio Luís ainda pretende entregar 3.460 habitações pelo Minha Casa Minha Vida. “O programa é do governo federal, é da Dilma, mas eu fiz festa aqui. Para cidades como Macapá, é um programa muito bom.”
A maior controvérsia em relação ao programa socialista na cidade é a efetivação de uma Parceria Público-Privada. A regulação das parcerias entre empresas e o poder público foi feita pelo ex-presidente Lula em 2004, sob críticas dos petistas que mais tarde formariam o PSOL. Em 2012, Clécio Luís entregou à iniciativa privada o mapeamento da cidade para regularização fundiária. “É um negócio que levaríamos muitos anos para fazer, não teríamos recursos próprios. Eu sou muito acusado por causa disso, mas acho que vale a pena.”
O prefeito rejeita, porém, a comparação entre a sua PPP e as privatizações, e critica o leilão do pré-sal dos campos de Libra, realizado no ano passado pelo governo federal. “O petróleo é um patrimônio, ali você tem um ativo, é um setor estratégico. Uma coisa é entregar esse patrimônio para a iniciativa privada, outra coisa é fazer uma PPP e dar um porcentual para alguém oferecer um serviço que a prefeitura não conseguiria.”
Embora elogie os programas federais, o prefeito diz que sua administração se diferencia daquelas do PT. Seu principal argumento é o orçamento participativo, que ali ganhou o nome de Congresso do Povo. “É a experiência que o PT teve em prefeituras como Belém e Porto Alegre, mas melhorada. Fizemos um amplo processo de mobilização e nivelamento de informação. O que é a prefeitura? Qual é o seu papel? Como funciona o orçamento? Basicão, o bê-á-bá. O resultado foi extraordinário.”
O caminho do PSOL, vislumbra, está em seguir as bandeiras históricas esquecidas pelos petistas. “Não fui para o PSOL negar a minha história, jogar no lixo a minha militância no PT ou construir o PSTU do B”, compara. “O melhor slogan do PT era: ‘Combater a corrupção e melhorar a vida do povo’. Então, o que nós vamos fazer de diferente é não seguir o caminho que o PT seguiu depois.” Por ora, o sindicalista se equilibra entre os sonhos sem peias da militância e as limitações da realpolitik.
Altamiro Borges
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