No início do século passado, as paixões, levavam a crimes hediondos que enchiam as manchetes dos jornais. Contra elas – e não há novidade nisto, se constrói uma afetividade conjugal cheia de normas, cheia de regras. Sua marca: a presença de ascetismo e disciplina, características que há muito pautavam as relações entre sexos. A virgindade era valorizada até determinada fase da vida, depois a mulher (e o homem) devia se casar e se dedicar à família. Esta era a ordem “natural”…quem não seguisse este caminho sofreria as consequencias.
Criaturas opostas, biológica e psicologicamente, homens e mulheres eram vistos como “meros reflexos de suas posições físicas no amor: um procura, domina, penetra, possui; a outra atrai, abre-se, capitula, recebe”. Os mais diversos discursos sobre a família e o casal – literários, médicos, religiosos e jurídicos – decretam que é no lar, no seio da família que se estabeleciam as relações sexuais desejadas e legítimas, classificadas como decentes e higiênicas. E se o matrimônio era a etapa superior das relações amorosas, “garantidor da saúde da humanidade e da estabilidade social” como queriam alguns autores, nada melhor do que transformá-lo em necessidade para todos. Os solteiros passam então a ser perseguidos por “indisposições mortais”. As virgens eram ameaçadas com o risco de perder a tez e os atrativos físicos e os castos, com o risco de escravizarem-se “a paixões sexuais tirânicas”.
Símbolo das celibatárias convictas, as sufragettes foram alvo de todos os ataques, até do modernista Oswald de Andrade que as odiava. As feministas, motivo de riso e pena, inspiraram à escritora Carmem Dolores em seu Jornal de uma feminista, um retrato patético:
“Sentada diante do espelho, enquanto conversa consigo mesma, mal consegue suportar a própria imagem refletida. Sente-se um absoluto fracasso: os seus esforços de melhoria vão sempre por água abaixo; suas lutas são sempre inglórias. Pensa desolada: “Fito os olhos no vidro sarapintado pelas falhas do aço, fui-me sentindo pouco a pouco penetrada de uma piedade intensa e dolorosa, que me provocava a figura refletida nesse velho cristal; fiquei a olhá-la, como se não a conhecesse, assim, magra e abatida, com esse chapéu usado, essa jaquette surrada, correndo tão cedo à caça do pão – e de súbito um véu se interpôs entre mim e a face murcha que eu contemplava, e esse véu era feito de lágrimas… Lágrimas! Mas por ventura chora uma feminista? Quando muito faz rir, quando passa pelas ruas a passo dobrado, consultando as horas como um homem, sem sorrir, porque já não tem sorriso sem faceirice, porque a fealdade das roupas lha veda, e sem o aprumo que devia dar-lhe o sentimento da sua coragem e da sua dignidade, por que sabe que estas coisas só merecem do vulgo o escárneo…”.
As mulheres eram, então, persuadidas de que não casar era um insucesso. Fazia-se a diferença entre a solteirona – rejeitada para o casamento – e a solteira, ainda não escolhida, mas, casável. As primeiras ficavam conhecidas como formais, deselegantes e retraídas. “Cair no barricão” designava “ficar para tia”. Pior. Era uma forma de descensão social, que deprimia as moças maduras. Só lhes restava amores ridículos ou socorro sobrenatural graças às esmolas, trezenas e promessas a Santo Antônio ou São Gonçalo do Amarante, invocados, desde os tempos da Colônia; o segundo, com um “estufadinho” embaixo da túnica, o qual era alisado para evitar esterilidade:
Historia Hoje
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