Vladimir Safatle
O filósofo francês Gilles Deleuze (1925-1995) costumava
dizer que algo novo nunca aparece de uma vez. Pois, quando se nasce, sempre se
nasce frágil e titubeante, acostumando-se aos poucos com a situação na qual o
recém-nascido se encontra pela primeira vez.
Por isso, o que é novo, para poder sobreviver, precisa
revestir-se por um tempo com a capa do já visto. Assim, as forças que, no
fundo, tudo fazem para deixar as estruturas intocadas não irão destruir o que
acabou de nascer. Elas nem sequer perceberão sua singularidade, até que seja
tarde demais para reagir.
Essa descrição de Deleuze era, na verdade, uma espécie de
conselho que talvez seja a nossa versão contemporânea para as virtudes da
prudência. O tipo do conselho de que sempre nos esquecemos quando agimos.
Na maioria das vezes, nossos desejos são maiores do que a
nossa capacidade de preparar as nossas ações. Por isso, talvez, tantos projetos
de transformação acabem abortados, muitas vezes por interesses de conservação
do que já perdeu seu tempo, mas que faz de tudo para esconder dos outros que já
está morto.
Acho que tal perspectiva vale, principalmente, para o que se
passa agora no campo da política. Estamos em um momento que está apenas
começando e exigirá toda nossa criatividade e paciência para a construção de
novas experiências políticas.
Alguns gostariam de confiar na espontaneidade da revolta,
mas como mostram os desdobramentos da Primavera Árabe no Egito, o entusiasmo
por si só não garante a realidade de nossos sonhos.
Outros entendem que a potência do novo sempre traz no seu
bojo novas formas de organização, mas permitir que tais novas formas não sejam
destruídas em seu nascedouro nem sempre é fácil.
No que diz respeito ao campo das esquerdas, há de se dizer
que ainda conseguiremos criar uma esquerda não dirigista, que não seja refém de
interesses eleitorais comezinhos travestidos de necessidade histórica, que pare
de usar o discurso do medo para esconder sua falta de capacidade de produzir
futuros.
Uma esquerda que demonstre à sociedade não os seus conflitos
internos ou as suas depressões seguras, mas, sim, sua força criativa. Uma
esquerda que entenda como é impossível defender a transformação da experiência
democrática na sociedade enquanto continua a ter as piores práticas no interior
de certos aparelhos partidários. Pois ninguém confiará em alguém incapaz de
fazer na própria casa aquilo que se propõe a fazer na casa dos outros.
Há uma juventude combativa e dinâmica que sabe isso e que
aprendeu a não se contentar com pouco.
Folha da São Paulo
Nenhum comentário:
Postar um comentário