Clara Roman
Destroços do assentamento Pinheirinho, em São José dos Campos, que sofreu reintegração de posse no início do ano.
Nos últimos nove anos, São Paulo foi o estado com mais zonas de conflitos fundiários urbanos. Segundo o Ministério das Cidades, foram 32 casos desde 2003. No Rio de Janeiro, foram 26. O emblemático caso do Pinheirinho, em São José dos Campos, ilustra o processo que, segundo Guilherme Boulos, coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Sem-Teto, tem base na especulação imobiliária. No Brasil, foram 192 casos.
Para atrair empreendimentos imobiliários de classe média, comunidades sofrem ações de despejo cotidianamente. Pelo seu tamanho e excesso de violência, o caso do Pinheirinho ganhou destaque na mídia nacional e internacional.
Mas, segundo o líder, o processo de desocupação é cotidiano. “Lamentável é que foi preciso ocorrer algo como Pinheirinho para que esse problema recebesse atenção”, afirma Boulos.
Ele observa que as regiões metropolitana de São Paulo, Campinas e São José dos Campos são as que mais sofrem com ordens de despejo. “A zona sul de São José [onde ocorreu o Pinheirinho] concentra mais de 50% dos novos empreendimentos na cidade”, observa Boulos. Matéria de Carta Capital mostrou que o valor do terreno do assentamento cresceu 25 vezes desde o início da ocupação.
Municípios que eram cidades dormitório assistem uma invasão brutal do capital imobiliário, transformando bairros operários em bairros de classe média. É o caso, conta Boulos, de Taboão da Serra, município da grande São Paulo. Morador da região, ele conta que, em 2010, um pequeno construtor entrou na Justiça para pedir a reintegração de posse de uma área de interesse social. Locais com essa classificação têm um custo inferior. Assim que foi feita a reintegração de posse, o terreno foi vendido à construtora Cyrela.
O curioso, nesse caso, é que, segundo ele, o comandante da Polícia na época, o Tenente-Coronel Adilson Paes agiu de modo a só realizar a reintegração quando os moradores do assentamento já tivessem em mãos o aluguel social e, portanto, não ficassem desabrigados como no caso Pinheirinho.
Em oposição, os movimentos por moradia no Brasil chegam a 200 mil filiados, segundo levantamento do jornal O Estado de S. Paulo. Segundo Boulos, o perfil do morador que reside em assentamento é aquele de trabalhadores, muitas vezes desempregados, ou com condições precárias de emprego. Segundo o último levantamento da Fundação João Pinheiro, 90% dos assentados recebem entre 0 e 3 salários mínimos. “Muitos têm de fazer a escolha entre pagar o aluguel ou comprar o leite do filho e acabam sendo despejados de suas casas”, comenta. Integrante do movimento desde 2002, Boulos afirma que, nos últimos anos, houve uma diminuição de moradores desempregados, ao mesmo tempo em que aumentou o número de pessoas com uma inserção precária no mercado de trabalho – terceirizados, ou sem emprego fixo – e sem acesso à moradias.
“É natural que os conflitos se centrem nas cidades”, oferece Boulos. Outro fator, que, segundo ele, foi decisivo nos últimos cinco anos para o aumento dos conflitos por terras é o aumento do investimento público no setor imobiliário. Programas como o PAC, Minha Casa, Minha Vida e empréstimos do BNDES fortalecem as construtoras e incorporadoras. “O nível de inserção de dinheiro público agora é outro”, explica. “A ocupação é uma expressão política necessária para que o direito a moradia seja garantido.
Sobre a possibilidade de negociações com o governo, Boulos comenta que encontra dificuldade, tanto na esfera federal quanto com governos estaduais. No caso de São Paulo, diz, é ainda mais difícil. “O PSDB tem um comprometimento umbilical com esse setor do capital”, argumenta. Já o governo federal, do PT, diz, senta à mesa para discutir. Mas as conversas, quase sempre, são infrutíferas. “Há uma diferença de perfil do governo federal. Mas do ponto de vista da efetividade política de enfrentamento da especulação, democratização do solo urbano, isso não existe no estado brasileiro.”
Carta Capital.
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