Dirigente do MP Democrático: "Não é admissível juiz usar toga para praticar crime"
Promotor e vice-presidente do Movimento Ministério Público Democrático, Roberto Livianu critica a tentativa da Associação dos Magistrados Brasileiros de retirar do Conselho Nacional de Justiça o poder de investigar e punir magistrados suspeitos de cometerem irregularidades. Ele compara a "um leão sem os dentes e as garras" a limitação do órgão de controle.
- Como vamos ter uma instituição para proteger, para controlar, para depurar os maus, tirando desta instituição os poderes que ela tem por força da norma que os criou? - questiona, em conversa com Terra Magazine.
Livianu diz entender a corregedora nacional de justiça, Eliana Calmon, que atacou os "bandidos de toga". Mas considera exagerada sua declaração de que "a imagem do Judiciário é a pior possível" para quem recorre a ele.
No entanto, o promotor cobra:
- Não é admissível que se use a toga ou a beca para se praticar crime. Quem pratica crime tem que ser punido.
Ele mantém um tom crítico em relação aos magistrados. "Muitas vezes, interesses regionais, interesses menores acabam preponderando. O corporativismo, muitas vezes, infelizmente fala mais alto", atesta. "Há um interesse maior em jogo que é o interesse público em termos uma Justiça limpa, transparente, independente e vigorosa. Para que tenhamos isso, é importante que os conselhos existam, que tenham seus poderes preservados e reafirmados", defende.
Confira os principais trechos da entrevista com Roberto Livianu.
'Bandidos de toga'
"Eu entendo bastante o que diz a ministra Calmon. Acho que houve uma interpretação exagerada das palavras dela, é importante que tenhamos este espírito de preservar as instituições. Para ter uma Justiça melhor no Brasil, precisamos depurar os maus quadros no Ministério Público, na magistratura... Esta atitude é importante. É difícil, doloroso, cortar a própria carne, mas é imprescindível para que preservemos as instituições. Tanto o Poder Judiciário quanto o Ministério Público são essenciais para que tenhamos uma distribuição de justiça sadia".
Importância dos conselhos de controle
"O segundo aspecto: quando, em 2004, foi aprovada a Emenda 45, que instituiu o Conselho Nacional de Justiça e o Conselho Nacional do Ministério Público, isso foi extremamente importante para que tenhamos controle e mais transparência. Não é possível imaginar qualquer espécie de exercício de poder, qualquer que seja ele, sem controle. Exercício de poder sem controle é uma situação de abuso, é indesejável do ponto de vista do interesse público. Esses conselhos de controle são extremamente importantes, saudáveis. Quando foram criados, se falou muito de controle externo, mas, na verdade, a gente percebe que, nos órgãos dos dois conselhos, temos muita gente das próprias instituições, precisaríamos ter mais gente da sociedade civil. Acho isso importante".
Limitação dos poderes do Conselho Nacional de Justiça
"Se for dado provimento a esta iniciativa, esta ação que foi proposta (pela Associação dos Magistrados Brasileiros), é mais ou menos como um leão sem os dentes e as garras. Como vamos ter uma instituição para proteger, para controlar, para depurar os maus, tirando desta instituição os poderes que ela tem por força da norma que os criou? Os conselhos não são órgãos apenas de controle. Eles têm uma importância grande no planejamento, tanto da Justiça quanto do Ministério Público. É preciso ser feito mais neste território".
Corporativismo e interesses
"No controle e no depuramento dos maus elementos, é extremamente importante que os conselhos mantenham a sua independência e que não haja esta exigência de prévio esgotamento dos canais do próprio tribunal. Porque, muitas vezes, esses canais estão obstruídos. Muitas vezes, interesses regionais, interesses menores acabam preponderando. O corporativismo, muitas vezes, infelizmente fala mais alto. Então, não podemos ter a prevalência desses valores menores. Há um interesse maior em jogo que é o interesse público em termos uma Justiça limpa, transparente, independente e vigorosa. Para que tenhamos isso, é importante que os conselhos existam, que tenham seus poderes preservados e reafirmados. Isto será sinônimo de Justiça de melhor qualidade e melhor distribuída".
Imagem do Judiciário
"Eu não diria que é a pior possível. Talvez haja um pouco de exagero aí. A gente não pode nunca fazer generalizações porque elas levam a injustiças quando se fala dos 'bandidos'. Eu infelizmente acredito que haja gente desonesta na Magistratura, como acredito que infelizmente pode haver gente desonesta dentro do Ministério Público. Estas pessoas que praticam desvios precisam ser punidas exemplarmente. Agora, acho que, olhando especificamente para o Judiciário, a imagem não é boa por algumas razões, mas as pessoas têm uma percepção clara de impunidade, por um lado. Por outro lado, o Poder Judiciário brasileiro não tem a cultura de se comunicar com a sociedade. Dos Poderes da República, é o que menos se comunica. Comparando com o Ministério Público, se comunica muito menos que ele. Existe uma atitude reclusa por parte do Poder Judiciário, de uma forma geral. E essa falta de interação com a sociedade gera uma percepção ruim dessa sociedade, isso com uma idéia que se tem de impunidade, de que as situações não são resolvidas rapidamente".
'Sacerdotes da Justiça'
"Existem pessoas excelentes, tanto no Poder Judiciário quanto no Ministério Público, que trabalham muito, com muita dedicação e com elevadíssimo espírito público. Não se pode desconsiderar este trabalho devotado e quase sacerdotal dessas pessoas por causa de más condutas de alguns indivíduos".
Punições
"Aposentadorias compulsórias, nas situações em que são cabíveis, são medidas importantes, mas não vejo problema nenhum, quando se detectam casos de violações graves aos deveres inerentes à função, que se proponham as ações de perda de cargo, que se proponham ações penais, com processos criminais, pelas condutas criminosas que pessoas praticam. Porque não é admissível que se use a toga ou a beca para se praticar crime. Quem pratica crime tem que ser punido.
Aposentadoria compulsória e colocar em disponibilidade são medidas importantes, mas, em certas situações, são insuficientes. É importante que haja os processos criminais com as punições criminais decorrentes. Inclusive temos também a Lei de Improbidade Administrativa, que é perfeitamente aplicável. Quem pratica ato de improbidade pode ser processado, pode ser punido, a lei prevê penas importantes, com perda de patrimônio, multa patrimonial, suspensão de direitos políticos. Deve-se usar todo o instrumental jurídico colocado à disposição para todo aquele agente público, em que se enquadram juiz e promotor, que cometam esses desvios".
Terra magazine
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