quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Copenhague e o mito de Palamedes



Por Mauro Santayana


Palamedes é das personagens mais instigantes da mitologia grega. Rival de Ulysses e Diomedes na Guerra de Troia, a ele se atribuem as primeiras ideias sobre o futuro do homem. Sendo visto como homem – e não como o titã Prometeu – ele pode ser considerado o pioneiro do desenvolvimento científico e tecnológico. De acordo com o mito, a ele coube a invenção do alfabeto, do sistema de pesos e medidas, do jogo de dados, do hábito de se comer a horas certas, da técnica de cunhar moedas, da divisão do dia em horas – e outras coisas mais. Platão (República, livro VII, 522) o cita como inventor da aritmética, e lhe credita a sabedoria tática no cerco de Troia.

Se houvesse tempo para isso, e a Conferência de Copenhague contasse com a assessoria de filósofos, seria interessante voltar a Palamedes e a Prometeu, para o início das reflexões sobre a Terra e o destino próximo do homem. Os gregos, que descobriram todos os caminhos, foram cautelosos no emprego da tecnologia. Talvez por causa da consciência da efemeridade da vida, que Heródoto resume, ao dizer que “o homem é, em tudo, e por tudo, um objeto do acaso”, e que o saber é resultado do sofrimento.

As grandes conferências internacionais servem – e nisso são importantes – para a discussão dos problemas e a divulgação das ideias e propostas, mas raramente trazem resultados práticos. No caso do meio ambiente há razões para o ceticismo. Há 37 anos houve a Primeira Conferência sobre o Meio Ambiente, promovida pelas Nações Unidas, em Estocolmo – bem perto de Copenhague. As circunstâncias me fizeram presente ao encontro, como correspondente deste jornal. Outras reuniões, entre elas a do Rio, em 1992, e a de Kyoto, trouxeram muitas esperanças, mas as esperanças esmaeceram com o tempo. Agora, ao que parece, os Estados Unidos e a China estão dispostos a assumir compromissos – o que renova a promessa de algumas medidas.

Voltar ao Paraíso, como pensam alguns ecologistas radicais, seria voltar a uma vida só suportável, porque não havia alternativa. Hoje, depois que vivemos mais e melhor, graças à ciência e à tecnologia, ninguém de nossa civilização – a não ser alguns fanáticos – estaria disposto a conviver com as serpentes e os mosquitos, o corpo desnudo, comendo raízes e lagartos. Mas tampouco poderemos continuar contaminando os céus, os mares e o solo, a menos que estejamos resignados a morrer envenenados e soterrados pelos detritos. A ciência, que nos trouxe até aqui, poderá nos salvar, desde que deixe de ser mera servidora do sistema capitalista de produção e de apropriação privada dos resultados do trabalho comum.

O problema é essencialmente político. É necessário voltar a Palamedes, a seus pesos e medidas, a seus cálculos aritméticos, à administração das horas de cada dia e dos dias de cada existência humana. Com o respeito que merece a ciência, ela não poderá – como está ocorrendo – ditar a agenda histórica dos homens, a serviço do lucro.

Quando – controlada pelo capitalismo industrial e financeiro – se transforma em tecnologia, costuma perder os parâmetros éticos. Talvez o desvio tenha surgido nestes dois últimos séculos, em que a ciência exata se afastou da filosofia e, ao se afastar da filosofia, desamarrou-se do humanismo que lhe dera origem, com a perversão do Iluminismo, denunciada pela Escola de Frankfurt.

A questão maior, e para a qual o conhecimento contemporâneo já oferece soluções, é a da energia. É estranho – e inquietador – que, no mesmo momento histórico em que surgem alternativas limpas ao petróleo, imensas jazidas são descobertas, no Brasil e no mundo. Um paradoxo dessa natureza e outros da atualidade só serão resolvidos mediante o entendimento entre a ciência e a política. Para esse entendimento é preciso sabedoria, um dos recursos do homem que foi pouco usado e parece exaurido.

O Brasil é espaço crucial dessas discussões. Temos sido pioneiros no uso de recursos energéticos renováveis, como os da geração hidráulica de eletricidade. Mas os radicais, muitas vezes a serviço de interesses externos, querem nos impedir de construir hidrelétricas, como é o caso de uma ONG qualquer que incita os indígenas contra o governo. Os índios de Belo Monte “escreveram” uma carta a Lula, ameaçando um banho de sangue se a construção da represa prosseguir. Cabe aos responsáveis pela segurança nacional identificar que índios foram os redatores do documento e encontrar o texto original, provavelmente em inglês.


Jornal do Brasil

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