quinta-feira, 5 de abril de 2018

Na lei e na bala

Antonio Machado


ALGUÉM poderia explicar?, porque eu já não entendo mais nada: a maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal - mudando entendimento anterior -, atualmente é contra a prisão do réu antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, mas, mesmo sendo contra essa prisão, porque ela fere o princípio da presunção de inocência assegurada pelo Constituição Federal, denegaram o habeas corpus do Lula permitindo que ele seja preso de imediato, sem condenação definitiva. É isso mesmo?



A ministra Rosa Weber é uma dessas eminências que mudaram de entendimento e agora acha que ninguém pode ser preso antes da condenação definitiva. Tanto acha que, ontem, durante a leitura de seu voto, disse que a prisão sem trânsito em julgado pode ser inconstitucional. Mas, mesmo assim - mesmo achando tudo isso -, votou pela prisão do Lula. Disse que segue um tal de "princípio da colegialidade". Ou seja, o "princípio da maria-vai-com-as-outras", pois ela tem uma opinião num sentido e decido no outro - coisas que só acontecem com o Lula.



O ministro Marco Aurélio de Mello reclamou publicamente da ministra Cármen Lúcia porque ela inverteu a pauta: em vez de pôr em julgamento a tese sobre a possibilidade de prisão em segunda instância, que decidiria a questão de uma vez por todas - e para todos os casos -, resolveu pôr em plenário o habeas corpus individual do Lula, casuisticamente. Assim, o STF pode ter decidido ontem pela prisão do Lula e, amanhã, como alguns ministros já disseram que vão mudar seu entendimento, decidir pela inconstitucionalidade dessa prisão. Tem coisas que só acontecem com o Lula.



A ministra Cármen Lúcia - que diz não aceitar pressão de ninguém (será?) -, resolveu pôr o habeas corpus do Lula em julgamento depois de ter recebido em Brasília um dos donos da Rede Globo. Na véspera do julgamento, a mesma Rede Globo, no Jornal Nacional, lê solenemente um recado do comandante do Exército pedindo a condenação de todos os corruptos, sob ameaça de alguma intervenção militar no país - isso só acontece às vésperas do julgamento do Lula.



O ministro Gilmar Mendes - insuspeito de ser um simpatizante de Lula -, que havia antecipado seu voto a favor do ex-presidente, ficou tão amolado com essa pressão da mídia sobre ele e sobre a Suprema Corte que acabou rasgando o verbo. E rasgou pra valer. Quase transformou seu voto numa catilinária contra os "barões" da informação. E disse textualmente: "Não me venham com chantagem", para concluir em seguida que era preciso "acabar com a mídia opressora" - o Lula que o diga!



E essa zaragata toda se deu para confirmar, à revelia da Constituição, uma sentença condenatória, sem provas e sem o devido processo legal, que veio lá dos juízos e tribunais do Sul - Curitiba e Porto alegre. Aliás, por coincidência, o mesmo Sul onde a caravana do presidente Lula foi recebida à bala na semana passada. Nada contra o Sul, nada contra os sulistas. Pelo contrário. Era só pra registrar as coincidências que só acontecem mesmo é com o Lula.



Será que ainda dá pra dizer que estamos vivendo em plena democracia? Dá pra dizer que este é um país legalista que tem efetivamente uma Constituição? Dá pra sustentar que este país combate seriamente - dentro da lei -, a corrupção política? Ou já não estaríamos sob o guante do canhão e do coturno e ainda nem percebemos?, exatamente como em 64, quando as tropas do general Mourão entraram assoviando no Rio de Janeiro, não deram um tiro sequer, e inauguraram uma ditadura militar que duraria mais de 20 anos.



O Lula é hoje um homem imbatível nas urnas. Com eleições livres, diretas e democráticas, tá pra nascer o cara que o desbancaria na base do voto. Ele é um mito. Vai continuar inspirando e assombrando gerações e gerações - por muito tempo. Para eliminar um mito não é fácil. Fizeram de tudo: desprezaram a lei; inventaram provas; utilizaram provas ilícitas; torturaram delatores; torturam a família do Lula; "rasgaram" a Constituição; e até na bala tentaram pará-lo.



Me custa acreditar.



Infelizmente, por força do ofício - por força da profissão acadêmica que abracei, ainda jovem, com tanto entusiasmo -, tenho de entrar toda semana numa faculdade de direito. Mas pra ensinar (e aprender) o quê? Hoje mesmo, não sei se levo pra sala de aula a Constituição ou o revólver. Ou os dois. A única coisa que sei, e que lamento, é não poder levar nem um tantinho sequer daquele antigo entusiasmo do professor que fui - isso eu lamento: por mim e por meus alunos.

Avesso e Direito

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