Sílvio Couto
Custa a crer que mesmo sob a égide da chamada Constituição Cidadã de 1988, haja uma iniciativa de se tentar cercear o direito de liberdade de expressão de qualquer cidadão. E mais grave ainda, quando essa ação é dirigida contra um membro do Ministério Público com mais de 40 anos de serviços prestados à Instituição, ao Estado e à Nação brasileira.
Nos referimos aqui à inacreditável instauração de Processo Administrativo Disciplinar pela Corregedoria do CNMP contra nosso colega Olympio de Sá Sotto Maior Neto, Procurador de Justiça que traz no coração e no sangue o DNA de membro do Ministério Público, guardião da democracia e legítimo lutador pelos direitos e garantias constitucionais, especialmente em relação aos segmentos mais sofridos e necessitados da população paranaense e brasileira.
Com densa vida institucional, entre muitas outras coisas, Olympio foi quatro vezes Procurador-Geral de Justiça do Estado do Paraná, integrante e presidente por muitas vezes e de diversos conselhos estaduais e nacionais direcionados à proteção de Direitos Humanos e da infância e adolescência.
Inacreditável que um membro do Ministério Público não possa livre e francamente expressar sua indignação, que é também a indignação de muitos brasileiros, em face de uma política que tudo favorece ao “mercado” e tudo retira, tudo subtrai, em relação às prestações sociais positivas prometidas pela nossa Constituição da República.
Fica então a questão: seremos nós, membros do Ministério Público cidadãos de segunda classe? Além de, legalmente, não termos o direito de sermos votados, perdemos agora, tacitamente ou por absurda interpretação restritiva de direitos fundamentais, o direito à liberdade de expressão?
A resposta parece ser sim, pois não nos afigura outra consequência que não seja a absoluta perda do direito de liberdade de expressão, a punição de um Membro do Ministério Público que se mostra indignado, inconformado, com ações governamentais que violam as obrigações sociais constitucionais, e plasma essa indignação na mera menção de uma frase cunhada e usada corriqueiramente, exatamente por esses setores da sociedade atingidos pelos cortes governamentais.
A tal frase, mencionada por muitos brasileiros aos milhares, quiçá milhões de vezes, de maneira verbal ou por escrito, em programas, palestras, reportagens, aulas, celebrações religiosas, web sites; pichadas pelos muros e paredes, não apenas no Brasil mas mundo afora – como por exemplo nos muros da tradicional e académica cidade de Coimbra, em Portugal, é a corriqueira e conhecida frase “fora Temer”.
O “fora Temer” certamente desejado pela maioria da população brasileira, com exceção daqueles 2% (dois por cento) de aprovação que o sujeito da referida expressão tem.
Qual a atitude indecorosa (termo equivalente a imoral) ou qual a mácula, a mancha (pois se diz que não se observou conduta ilibada) ao se repetir a frase conhecida, pública, notória e usada incansavelmente pelos atingidos pelos cortes absurdos nas políticas e orçamentos sociais? É imoral se solidarizar aos setores mais frágeis da sociedade e simplesmente repetir a expressão pela qual esses grupos oprimidos dão voz às suas tristes situações?
Estamos vivendo tempos difíceis, tempos de retrocesso da nossa jovem democracia e de ressurgimento de um espectro totalitário no horizonte. Seremos nós acusados de falta de decoro e de não manter conduta ilibada por solidarizarmo-nos ao colega?
Não é de se duvidar. Há quem queira que voltemos a ser meros despachantes processuais, meros “representantes de el Rey”. Há quem se regozije de ver um Ministério Púbico que somente fale em sintonia com os poderosos.
Mas certamente e felizmente, de outro lado, há muitos de nós que nunca abrirão mão do direito de se expressar em favor das liberdades, dos direitos e garantias constitucionais e das prestações sociais positivas devidas pelo Estado, não nos esqueceremos e não nos calaremos – e nunca nos calarão, para falarmos e para atuarmos com os olhos voltados aos mais pobres, aos mais discriminados e aos mais fracos; ao segmento mais fragilizado da população brasileira, àqueles que sempre foram oprimidos ou esquecidos pela elite eurocêntrica da sociedade. Assim sempre agiu, sempre fez e certamente continuará fazendo de maneira intimorata nosso colega Olympio.
Tem todo nosso apoio e nossa solidariedade o colega, ficando registrada aqui nossa indignação ao cerceamento da liberdade de expressão do cidadão brasileiro e Procurador de Justiça Olympio de Sá Sotto Maior Neto.
Silvio Couto é Procurador de Justiça do Ministério Público do Paraná e membro Coletivo Transforma MP.
Nenhum comentário:
Postar um comentário