Wanderley Guilherme dos Santos
Lula não será candidato. Apesar da cristalina excepcionalidade de interpretações da lei e evidentes arranhões em sua aplicação discricionária, só há fraude eleitoral quando o eleitor é coagido, as urnas violadas ou o resultado adulterado. São mais de cento e quarenta milhões de eleitores já registrados. A ausência de Lula castra a liberdade de escolha de cerca de um terço deles, havendo sólido fundamento para a passionalidade com que reagem ao estupro. Fraude eleitoral, porém, não será.
Quanto mais cedo as legendas populares perceberem a extensão da materialidade do que elas próprias denunciam – comportamento seletivo de instâncias do Judiciário – mais clara se tornará a ineficácia de pressões externas para alterar decisões recentes. Os últimos fracassos se repetirão, com o risco nada desprezível de que a militância tenda a crescente desânimo. As tempestades bíblicas têm faltado ao compromisso de inundar as instituições coatoras e seria penoso, além de fatal, assistir ao raquítico desenlace de manifestações brancaleônicas.
Um líder da estatura de Lula, indestrutível encarnação da livre escolha de milhões de brasileiros, não deve permitir a figuras subalternas expropriarem-no de autonomia para decidir. Sair da disputa por acachapante submissão à sentença que o expulsa, seria desastroso. Rebelar-se, tolo e infrutífero. O fantástico cabedal de confiança de que dispõe acabaria abalado, pois não existe derrota vencedora senão na esfarrapada desculpa de perdedores crônicos. Não é próprio de líderes populares transferirem ao empenho dos liderados a responsabilidade pelo sucesso de uma causa; no caso, garantia legal da candidatura Lula à presidência. Especialmente quando se tem por certo que a derrota jurídica é inevitável. O desbloqueio das candidaturas populares ocorrerá, quer por decisão antecipada de Lula, quer por insuperável imposição legal: Lula não será candidato. O amargo de uma causa perdida arrisca atropelar o entusiasmo dos responsabilizados, abandonando aos adversários a arena que mais temem: a competição por votos. E o infeliz refrão de que eleição sem Lula é fraude acompanharia o féretro de uma campanha esquizofrênica, intrinsecamente contraditória.
Ao contrário, a vitória de um candidato ou uma candidata indicado/a por Lula, tendo abortado a festa conservadora ao exclui-lo das eleições, reduziria a estrume cavalar os votos fúteis de juízes boquirrotos. O jogo pede uma intervenção decisiva na estratégia: superar o cerco de bispos dogmáticos e submeter um rei faz-de-conta, quase tísico, a constante ameaça de cheque mate. Preso ou solto, vivo ou morto, Lula, sua rouquidão e surpreendentes analogias, apavoram os grandes.
Embora conquistando degraus na escala de renda e prestígio, Lula manteve-se atado ao fio terra que o conecta ao insubornável faro político dos desvalidos. Não se justifica reduzi-lo a intérprete de um dos segmentos do seu eleitorado. Mais do que os conselhos de uma classe média ilustrada e brava, a arriscar apenas o voto, é a expectativa de emprego, comida, saúde, educação, segurança e habitação que orienta a escolha dos grupos vulneráveis. Se os benefícios da vitória são imponderáveis, o custo da derrota é certo e bruto. Não há conciliação digna com o adversário nem é conveniente alimentar um radicalismo encurralado pela legislação.
Interromper a catástrofe social impondo indiscutível derrota eleitoral à reação aponta para objetivo constitucional e razoável. Contudo, é indispensável inaugurar, sem tergiversação, persistente propaganda em favor de eleições conforme a legislação em vigor, sem casuísmos urgidos pela oscilação das pesquisas. Nem antes e nem, definitivamente, depois da votação. A lei está a favor das expectativas dos desvalidos. Opor-se a ela, difamando as eleições, não passa de grosseria contra a totalidade do eleitorado brasileiro.
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