Muita retórica balofa e repetição de esquemas prontos de antemão na maioria das análises que tenho lido sobre a intervenção federal-militar de Temer no Rio de Janeiro. Houve um golpe parlamentar no Brasil, suas fases, papel da rede globo, etc. etc. etc. Mas nada substitui a análise concreta da situação concreta.
Um hegelianismo vulgar voltou a fazer escola. Não se deve hiperracionalizar os acontecimentos como se obedecessem a um plano prévio milimetricamente articulado por um comando único. Compor uma narrativa neste molde, além de equivocado, não convence ninguém fora do circuito restrito dos convertidos.
No caso da intervenção federal-militar no Rio de Janeiro, embora evidentemente resulte em consequências diretas na montagem em curso de um Estado de Exceção, a decisão de Temer é de ordem conjuntural e situada no plano da ação política imediata. Sem dúvida, a ideia da intervenção militar no Rio já vendo acalentada há algum tempo, desde as declarações do general Mourão que a chamada “questão militar” retornou, o Gabinete de Segurança Institucional, sob o comando do general Etchegoyen, fortaleceu-se institucionalmente e ganhou status de ministério. Tudo isso compõe a indispensável moldura para o teatro vivo dos acontecimentos.
O governo retornou do carnaval acuado por quatro fatores: 1) a força popular do carnaval anti-Temer; 2) a ausência de candidatura presidencial competitiva no espectro governista; 3) o malogro da reforma da previdência; 4) a desmoralização da tentativa de blindagem do presidente Temer pelo superintendente da PF no caso Rodimar.
Assim, acuado, e porque o golpe estava dando errado e não dando certo, Temer partiu para o tudo ou nada. Como em muitos outros episódios da história - um exemplo interessante é o do Almirante Galtieri na ocupação das ilhas Malvinas, afrontando o imperialismo inglês nos estertores da ditadura militar Argentina -, Temer resolveu que a melhor defesa é o ataque. Estava-se emparedado, agora se pretende emparedar.
Movido por questões de política prática, o presidente golpista mexeu no xadrez a peça clássica do bonapartismo. O objetivo político da jogada é repaginar o assim chamado “centro neoliberal”, roto e esfarrapado das reformas impopulares, clamadas pelo “mercado”,’ mas que não ganham eleições chamadas através do sufrágio universal. A Paraíso do Tuiuti acionou o sinal de alerta final quando desfilou na avenida fazendo, em forma de romance popular, as devidas analogias histórico-causais entre escravidão, terceirização e reforma trabalhista.
Por tudo isso, sai de cena o fiscalismo guarda-livros da previdência e adentra a ribalta, com pombas e circunstâncias, a psicologia social da segurança pública. Não se pretende, é claro, resolver na raiz o problema da segurança. No máximo, dar uma mão de cal que permita roubar a agenda do recente sucesso relativo da extrema direita. Recriar uma espécie de bolsonarismo sem Bolsonaro, possibilitando a recolagem do elo perdido entre centro e extrema direita, cujo eleitorado, em passado recente, descarregava os votos nos candidatos do PSDB.
Vai dar certo? Espero que não, em termos de longo prazo. Desde Collor, os golpes de ippon costumam fracassar. Contudo, não subestimaria um apoio inicial à intervenção e seus efeitos políticos, para além dos setores belicosos de sempre, e talvez algum alívio imediato da população.
Campo de Ensaio
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