O sistema empresarial chinês foi inspirado também – pasme o leitor – no desenvolvimentismo brasileiro
China resistiu a crise por uma série de ações no sistema financeiro, entre elas, o controle sobre fluxos de capitais
A investigação sobre o desenvolvimento dos países asiáticos deu origem a uma volumosa bibliografia, cuja estante não pode, nem deve, ser adornada pela etiqueta da oposição Estado x Mercado. Essa etiqueta binária oculta a complexidade das realidades asiáticas. Não pretendo pontificar a respeito de tais realidades, como o fazem os físicos e engenheiros da sociedade. Mas arrisco algumas sugestões.
Julgo dignas de consideração: 1. A natureza e a relevância da intervenção do Estado, particularmente das políticas industriais e de direcionamento do crédito. 2. A importância dos acordos implícitos e das relações de “cooperação” e “reciprocidade” entre o público e o privado. 3. A subordinação das políticas macroeconômicas ao arranjo estrutural comprometido com a incorporação de novos setores “competitivos” à estrutura produtiva. 4. O ajustamento da matriz educacional às exigências do crescimento acelerado e do avanço tecnológico. 5. A forma da inserção internacional.
Nessa “organização capitalista” prevalecem os nexos “cooperativos” e de reciprocidade nas relações Estado-empresas, nas negociações entre os grandes conglomerados e seus fornecedores, na íntima articulação entre os bancos (em sua maioria estatais na China, na Índia, nos primeiros tempos da Coreia) e a grande empresa, no provimento de mão de obra capacitada e, finalmente, na “administração estratégica” do comércio exterior e do investimento estrangeiro.
Até a eclosão da crise financeira no segundo semestre de 1997, a resistência das economias asiáticas aos choques externos deve ser atribuída, em grande parte, à “repressão” financeira e aos controles estritos exercidos sobre os mercados cambiais.
As operações cambiais estavam praticamente restritas à compra e venda de divisas para saldar obrigações nascidas da balança de transações correntes. Os governos exerciam controles rigorosos sobre a conta de capitais. A China resistiu à crise porque conservou os controles sobre os fluxos de capitais e persistia na administração da taxa de câmbio favorável às exportações.
O economista Ajit Singh, em seus trabalhos sobre o desenvolvimento da Ásia, não hesitou em escolher, como fator crucial do sucesso do catching up, a capacidade revelada pelas economias asiáticas de transformar continuamente os créditos em investimentos, os investimentos em lucros (a “poupança” é sobretudo das empresas) e os lucros em investimento, o investimento em ganhos de produtividade durante um longo período, sem que se insinuassem indícios mais sérios de fragilidade financeira.
A isso o economista japonês Michio Morishima chamou de “combinação ótima” entre o máximo de competitividade e o máximo de cooperação e planejamento.
A China replicou à sua moda as experiências do Japão, da Coreia, de Taiwan e de Cingapura e iniciou sua escalada nos mercados mundiais, tornando-se a maior exportadora de manufaturas do planeta, desde o low end dos têxteis, vestuário e brinquedos até o high end da eletrônica de consumo, microprocessadores, bens de capital, robótica e outros componentes de informática e microeletrônica.
Em sua caminhada, a China cuidou dos investimentos em infraestrutura e utilizou as empresas públicas como plataformas destinadas a apoiar a constituição de grandes conglomerados industriais preparados para a batalha da concorrência global.
É impróprio, para não dizer empobrecedor, apontar o dedo para causas singulares do desempenho das economias asiáticas: a “educação”, “a taxa de poupança” ou a “estabilidade macroeconômica”.
Autor de livros indispensáveis para a compreensão da trajetória chinesa, o economista inglês Peter Nolan insiste em ressaltar a construção dos arranjos e articulações entre empresas estatais, bancos públicos e a expansão de um pujante setor privado “competitivo” povoado de pequenas e médias empresas.
Esse sistema de organização empresarial foi, repito, inspirado (não copiado) nas experiências de Japão, Coreia, Taiwan e – pasme o leitor – no empreendimento desenvolvimentista brasileiro que sobreviveu até o fim dos anos 1970.
Por nossas veredas tropicais circularam autoridades, técnicos e burocratas chineses em busca de inspiração para as reformas cautelosas que livraram o Império do Meio das amarras e insuficiências gritantes da “economia de comando”.
Na edição anterior de Carta Capital, o jornalista Carlos Drummond ofereceu uma análise cuidadosa do arranjo estrutural que conduziu o desenvolvimento e a industrialização no Brasil. Hoje, no país de Temer, os sabichões do pedaço se empenham na “reforma” da funilaria do veículo, enquanto se aprimoram na destruição do motor do crescimento.
Carta Capital
China resistiu a crise por uma série de ações no sistema financeiro, entre elas, o controle sobre fluxos de capitais
A investigação sobre o desenvolvimento dos países asiáticos deu origem a uma volumosa bibliografia, cuja estante não pode, nem deve, ser adornada pela etiqueta da oposição Estado x Mercado. Essa etiqueta binária oculta a complexidade das realidades asiáticas. Não pretendo pontificar a respeito de tais realidades, como o fazem os físicos e engenheiros da sociedade. Mas arrisco algumas sugestões.
Julgo dignas de consideração: 1. A natureza e a relevância da intervenção do Estado, particularmente das políticas industriais e de direcionamento do crédito. 2. A importância dos acordos implícitos e das relações de “cooperação” e “reciprocidade” entre o público e o privado. 3. A subordinação das políticas macroeconômicas ao arranjo estrutural comprometido com a incorporação de novos setores “competitivos” à estrutura produtiva. 4. O ajustamento da matriz educacional às exigências do crescimento acelerado e do avanço tecnológico. 5. A forma da inserção internacional.
Nessa “organização capitalista” prevalecem os nexos “cooperativos” e de reciprocidade nas relações Estado-empresas, nas negociações entre os grandes conglomerados e seus fornecedores, na íntima articulação entre os bancos (em sua maioria estatais na China, na Índia, nos primeiros tempos da Coreia) e a grande empresa, no provimento de mão de obra capacitada e, finalmente, na “administração estratégica” do comércio exterior e do investimento estrangeiro.
Até a eclosão da crise financeira no segundo semestre de 1997, a resistência das economias asiáticas aos choques externos deve ser atribuída, em grande parte, à “repressão” financeira e aos controles estritos exercidos sobre os mercados cambiais.
As operações cambiais estavam praticamente restritas à compra e venda de divisas para saldar obrigações nascidas da balança de transações correntes. Os governos exerciam controles rigorosos sobre a conta de capitais. A China resistiu à crise porque conservou os controles sobre os fluxos de capitais e persistia na administração da taxa de câmbio favorável às exportações.
O economista Ajit Singh, em seus trabalhos sobre o desenvolvimento da Ásia, não hesitou em escolher, como fator crucial do sucesso do catching up, a capacidade revelada pelas economias asiáticas de transformar continuamente os créditos em investimentos, os investimentos em lucros (a “poupança” é sobretudo das empresas) e os lucros em investimento, o investimento em ganhos de produtividade durante um longo período, sem que se insinuassem indícios mais sérios de fragilidade financeira.
A isso o economista japonês Michio Morishima chamou de “combinação ótima” entre o máximo de competitividade e o máximo de cooperação e planejamento.
A China replicou à sua moda as experiências do Japão, da Coreia, de Taiwan e de Cingapura e iniciou sua escalada nos mercados mundiais, tornando-se a maior exportadora de manufaturas do planeta, desde o low end dos têxteis, vestuário e brinquedos até o high end da eletrônica de consumo, microprocessadores, bens de capital, robótica e outros componentes de informática e microeletrônica.
Em sua caminhada, a China cuidou dos investimentos em infraestrutura e utilizou as empresas públicas como plataformas destinadas a apoiar a constituição de grandes conglomerados industriais preparados para a batalha da concorrência global.
É impróprio, para não dizer empobrecedor, apontar o dedo para causas singulares do desempenho das economias asiáticas: a “educação”, “a taxa de poupança” ou a “estabilidade macroeconômica”.
Autor de livros indispensáveis para a compreensão da trajetória chinesa, o economista inglês Peter Nolan insiste em ressaltar a construção dos arranjos e articulações entre empresas estatais, bancos públicos e a expansão de um pujante setor privado “competitivo” povoado de pequenas e médias empresas.
Esse sistema de organização empresarial foi, repito, inspirado (não copiado) nas experiências de Japão, Coreia, Taiwan e – pasme o leitor – no empreendimento desenvolvimentista brasileiro que sobreviveu até o fim dos anos 1970.
Por nossas veredas tropicais circularam autoridades, técnicos e burocratas chineses em busca de inspiração para as reformas cautelosas que livraram o Império do Meio das amarras e insuficiências gritantes da “economia de comando”.
Na edição anterior de Carta Capital, o jornalista Carlos Drummond ofereceu uma análise cuidadosa do arranjo estrutural que conduziu o desenvolvimento e a industrialização no Brasil. Hoje, no país de Temer, os sabichões do pedaço se empenham na “reforma” da funilaria do veículo, enquanto se aprimoram na destruição do motor do crescimento.
Carta Capital
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