Preservar o núcleo democrático representado por eleições livres e competitivas é a tarefa do momento.
As comparações entre 1964 e 2016 devem ser feitas com cuidado. No primeiro caso houve o golpe de Estado clássico do século 20: tomada do poder violento pelas Forças Armadas e supressão das liberdades democráticas. No segundo, usaram-se as próprias regras democráticas. Foi um golpe por dentro, parlamentar, por isso, preservando, até aqui as liberdades básicas de expressão, reunião e organização.
Não obstante grandes diferenças, o sentido geral dos movimentos guarda semelhança. Trata-se de apear do governo e bloquear, tanto quanto possível, a alternativa popular realmente existente no Brasil. Depois, implantar, sem necessidade de consultar as urnas (pois não ganharia), um programa de natureza liberal forte.
As propostas de parlamentarismo e semipresidencialismo, recentemente levadas à consideração do público na forma de balões de ensaio, dão passo adiante no intento golpista. Caso aprovadas, fariam a transição do que foi, por ora, uma mudança de governo para uma mudança de regime, de consequências bem mais duradouras. Tanto o parlamentarismo quanto o semipresidencialismo esvaziariam a eleição presidencial —a começar pela de 2018—, retirando o núcleo de soberania popular existente na democracia brasileira.
A reflexão sobre as vantagens relativas do parlamentarismo e do presidencialismo precisa ser feita à luz não de suas características, por assim dizer, técnicas abstratas, mas da história concreta do país. Convém lembrar que o PT, tal como o PSDB, tinha como bandeira original o parlamentarismo. No entanto, o processo efetivo, entre 1989 e 2014, mostrou que os pleitos presidenciais são os momentos em que, apesar das distorções do dinheiro e do marketing, o eleitorado expressa uma vontade majoritária a respeito dos rumos nacionais.
O lulismo —cuja existência fica mais uma vez comprovada pela caravana de Lula no Nordeste soube se constituir enquanto polo popular do sistema, dando vida às regras da Constituição de 1988, tal como o getulismo o fez depois de 1946. O fato de o lulismo ser de natureza conciliadora —o que explica a aliança com o PMDB e Joaquim Levy na Fazenda— confunde alguns analistas. O lulismo não é propriamente de esquerda, mas é profundamente popular.
Preservar o núcleo democrático representado por eleições livres e competitivas à Presidência da República, nas quais o lulismo tenha plena chance de disputar, vencer e exercer o poder é a tarefa do momento. Alterar o sistema de governo agora completaria o golpe de 2016, adiando sine die a construção democrática brasileira. A essência da democracia é deixar que as maiorias formem-se livremente, aceitando os seus desígnios. É o que está em jogo no momento.
FOLHA SP
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