O inusitado é a arma do protesto. Mídia e cidadãos se cansaram de atos com discursos em cima de carro de som. A rotinização os tornou insossos, as novas gerações não aturariam o ícone desse estilo no século 20: Fidel Castro. Agora anima o que é veloz, visual e surpreendente. Nessa linha, a ovada é um achado. Adequa-se à perfeição ao formato-mor dos novos tempos, o meme.
A estratégia, longe de nova, tem aparecido mais amiúde. Em julho, na porta de igreja em Curitiba, a noiva, deputada estadual e filha de ministro ganhou chuva, não de arroz, mas de ovos. Tampouco se trata de invenção nacional. Marine Le Pen a purgou em sua última campanha eleitoral.
O jocoso esporte de arremesso de ovos não se distingue –descontado o objeto lançado– de primos mais ofensivos.
Na Coreia, em 2008, George W. Bush conheceu a modalidade lançamento de sapato. Olhando o que se atira, trata-se de achincalhar, uma agressão moral. Atentando para o ato, a agressão é física. Atingindo alma ou corpo, ovadas, sapatadas e congêneres são formas violentas de política. Ridicularizam, desmoralizam, constrangem.
Outro membro da família é o escracho. Visibilizou-se em São Paulo em junho de 2013, usado contra o prefeito. Antes fizera carreira na Argentina, aplicado a torturadores do regime militar. Escrachar consiste em marcar e caçoar, por meio de músicas, encenações, pichações etc.
Grupos autonomistas usam a performance criativamente, combinando artes circenses, plásticas, estilos musicais e cênicos. Costuma ser impactante, encurrala a vítima via humilhação.
Movimentos tradicionais também se apropriaram disso. Em março, panfletos da CUT prometiam visitas-surpresa a apoiadores de Temer em lugares públicos. O aeroporto é uma locação preferencial, como souberam Eduardo Cunha e Janaína Paschoal.
O escracho é velho de guerra. Mussolini talvez tenha sido o mais ativo usuário. Os nazistas o empregaram contra judeus, marcando suas residências. Franco o adotou na Espanha, contra indesejáveis de toda sorte –de gays a ciganos.
Primo de segundo grau é o apedrejamento. A ação soa bárbara e antiga, mas nunca saiu de moda. Um jogador de futebol equatoriano recebeu o tratamento, antes de partida da Copa Sul-Americana 2017. Em abril, Nicolás Maduro ganhou um combinado: pedradas e ovadas, no Estado de Bolívar. Outro presidente das redondezas passou mais apuro em dezembro: as pedras quebraram os vidros do carro que conduzia Mauricio Macri, em Mar del Plata.
De ovos a pedras há distância, mas o princípio permanece, a conversão do adversário em inimigo. A desclassificação supõe ajuizar que o debate de ideias perdeu sentido e que não vale a pena ouvir, conversar ou considerar os que pensam diferente.
Nesta semana, um ministro do TSE escapou por pouco. Desta vez nem ovo, nem pedra, tomate. Membro do movimento Tomataço queria repetir na pessoa de Gilmar Mendes o que já praticara contra seu carro e sua faculdade. O plano abortado consistia em amassar o legume podre na cabeça do magistrado.
Mendes é das figuras menos amadas do país, mas o perpetrador do gesto tampouco inspira amizade. Sua camiseta estampava: "Desgovernantes, atendam a nossa pauta ou a desobediência civil vai te pegar". Um pega-pega não só com tomates. A carreira de Ricardo Rocchi esclarece seu horizonte: passou pelo SOS Forças Armadas e pelo Pátria Armada. No Facebook acrescenta: "E isso é só o início".
Tais ataques a figuras públicas se distribuem à direita e à esquerda, sem corresponder a nenhuma ideologia. São formas despolitizantes de política. Não fomentam o debate sobre problemas coletivos, sobre estilos de gestão, capacitação de mandatários ou candidatos. Como se alicerçam na humilhação, em vez de em argumentos, apenas desclassificam, desclassificando, por contaminação, quem ataca.
Ovos e tomates fomentam riso catártico. Afora esse prazer momentâneo, não trazem nenhum benefício, nem para os envolvidos, menos ainda para a democracia. São estratégias que eliminam a política, ao recorrerem à forma mais crua e direta de imposição das próprias ideias: a violência.
Folha SP
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