Luiz Zanin Oricchio ,
A questão familiar, a política, a psicanálise. A raiva e a ternura. Tudo cabe no sólido cinema de Marco Bellocchio que, aos 77 anos, filma com agilidade de garoto e serenidade de sábio. Belos Sonhos (Fai Bei Sogni), seu mais novo filme, é inspirado no romance autobiográfico de Massimo Gramellini.
No início, estamos em Turim, nos anos 1960. Massimo, o garoto, é torcedor do Torino e muito ligado à jovem mãe. Cabe lembrar que Gramellini é jornalista esportivo e o futebol ocupa na trama lugar privilegiado. Mesmo porque em 1949 o Torino sofreu um acidente aéreo semelhante ao da Chapecoense e na ocasião todos os jogadores morreram. Mas é a mãe quem está no centro e a vemos dar toda a atenção ao filho pequeno. Quando ela desaparece em circunstâncias obscuras, fica a cicatriz da falta. Esta é sentida pelo já maduro Massimo (Valerio Mastandrea), jornalista esportivo de sucesso que, após viagem a Sarajevo, entra em crise existencial e sofre ataques de pânico. A cena que tanto choca o repórter na guerra tem tudo a ver com seu complexo familiar.
Bellocchio trabalha com idas e vindas no tempo. Ora vemos o personagem na infância, ora em sua maturidade problemática. Há um elo entre a criança e o adulto (sempre há), mas este não se estabelece de maneira mecânica, em relações de causa e efeito. O psicanalisado Bellocchio sabe que as sutilezas da mente são muitas e reações paradoxais não são raras. O adulto com relação não resolvida com a mãe estará aberto ao encontro com a médica Elisa, vivida pela francesa Bérénice Bejo.
A turbulência da alma humana, a luta contra si e contra seu meio, tudo se corporifica na figura de Massimo. Se o Bellocchio de 2016 mostra menos exasperação do que o de 1965 (ano da estreia com De Punhos Cerrados), isso não indica acomodação. Apenas objetividade mais serena e portanto mais certeira. Belos Sonhos é filme para ver e rever. E ver de novo.
Estadão
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