terça-feira, 11 de abril de 2017

O brasileiro binário e sua guerra santa em nome da ignorância

Leonardo Sakamoto 

Você pode criticar e discordar de Rachel Sheherazade e, ao mesmo tempo, indignar-se pelo assédio machista que ela sofreu de Silvio Santos, em cadeia nacional. Neste domingo (10), durante a transmissão do Troféu Imprensa, o "patrão" disse que havia contratado a apresentadora não para dar opinião mas para "continuar com a sua beleza, com a sua voz, para ler as notícias".


Você pode criticar a atuação violenta da polícia militar em uma operação realizada em uma comunidade pobre, denunciar o envolvimento de policiais em chacinas e milícias e afirmar que sua formação precisar ser alterada e sua estrutura desmilitarizada. E isso não significa que está defendendo o assassinato de trabalhadores da segurança pública, nem que acredita que a polícia não deva existir.

Você pode criticar Donald Trump ou mesmo a política internacional intervencionista dos Estados Unidos sem que, para isso, precise abraçar o açougueiro e ditador sírio Bashar al-Assad ou mesmo o presidente russo Vladimir Putin, que não leva muito a sério a dignidade humana.

Você pode afirmar que houve avanços em áreas como educação e saúde em Cuba e, ao mesmo tempo, reconhecer a violência com a qual o regime trata seus opositores ou as graves limitações impostas à liberdade de expressão. Da mesma forma, você pode ser crítico a uma parte da elite venezuelana e seu tosco comportamento golpista e, ao mesmo tempo, criticar o governo local e seu comportamento autoritário e antidemocrático. Você pode adorar muita coisa nos Estados Unidos, da música à produção intelectual, passando pelas pessoas e cidades, e ser crítico às políticas de seu governo ou à ideologia de parte de sua elite econômica.

Você pode afirmar que há excessos, injustiças e sinais de partidarismo em operações de combate à corrupção sem dizer que caixa 2 é normal e que os partidos envolvidos não cometeram nenhum crime.

Você pode. Mas talvez não faça isso.

Porque defenda um mundo melhor para os seus, mas não para o mundo. Porque não consegue sentir empatia por quem pense diferente, tenha outra cor de pele ou uma orientação sexual que não é igual à sua. Porque acha que o adversário é um inimigo. Porque acredite que mais importante que construir pontes é executar vinganças. Porque chama de "verdade" só aquilo com a qual concorda e de "mentira" tudo do qual discorda. E, com base nisso, cria sua noção de "bem" e de "mal", excluindo-se sempre deste último. E, a partir daí, elege seus "heróis" e "vilões". E vai à guerra, que considera santa, para matar ou morrer.

Nutro uma certa inveja por pessoas que demonstram um pensamento binomial. Para eles, a vida é tão simples! É A ou Z - e só. Não existe outra coisa entre um polo e outro, nenhuma área cinzenta, nenhuma dúvida, nada. Enfim, para elas o mundo não é complexo - as pessoas idiotas é que tentam turvar aquilo que é certo, confundindo os "homens e mulheres de bem" ou os "revolucionários".

Daí, para a vida fazer sentido, dizem que todos têm que abraçar uma ideia e simplificar o mundo ao máximo. Quem não consegue fazer isso, sem problema, eles dão uma mãozinha, taxando você de "isentão". Ou pior. Se você não é hétero é homo. Se defende políticas para os mais pobres, não pode ter um smartphone. Ou apoia a campanha de terra arrasada do governo contra as drogas ou é um usuário de crack que rouba a mãe pelo vício. Acha que um partido político representa toda a maldade no mundo ou acredita que da boca de seus líderes fluam rios de leite e mel.

Nós não estamos em uma guerra. Ou pelo menos não deveríamos estar.

"Ah, mas o 'outro lado' não faria o mesmo por mim", afirmam alguns.

Mas, daí, fica a pergunta: Você forma sua opinião e constrói seus princípios através de empatia, vivência, leitura e reflexão ou é um grande vazio que apenas responde aos estímulos dos outros?



Sakamoto

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