Luiz Zanin
É um tanto engraçado o título Tudo é Irrelevante. Hélio Jaguaribe. Ainda mais quando se sabe que é dirigido pela filha do intelectual, Izabel Jaguaribe, em parceria com Ernesto Baldan. Por que irrelevante?
A coisa se explica logo no começo. Educado na implacável escola de argumentação dos jesuítas, Hélio, atualmente com 94 anos, logo desenvolveu um férreo ateísmo. Atento ao pensamento em abismo sobre o universo, foi-lhe fácil concluir que, diante do infinito do Cosmo e da eternidade, somos apenas um sopro, breve intervalo entre dois nadas - o que precede o nosso nascimento e o que se segue à nossa morte. Em escala, não apenas a nossa vida individual é irrelevante. Irrelevante é também a História humana com a qual nos preocupamos tanto, o pequeno planeta onde habitamos e está destinado à destruição, a própria galáxia onde se situa o ínfimo sistema solar de que fazemos parte. Tudo irrelevante.
Mas, dentro dessa irrelevância, é lícito esperar que façamos o melhor. Daí que as primeiras frases do cientista social encontrem como pano de fundo um emaranhado de signos e imagens cósmicas. Há uma estranheza inicial mas, convenhamos, já estamos fartos de intelectuais discursando contra o fundo de uma estante de livros, que funciona como garantia de que aquela inteligência se alimentou de bons autores e portanto tem autoridade. Aqui há um deslocamento. Muitas vezes exagerado pelo excesso de filtros, enfeites e sobrecargas visuais desnecessárias.
Mas, daí por diante, podemos fruir a trajetória de uma vida que nada tem de irrelevante - pelo menos dentro das dimensões modestas da escala humana. Com as palavras do personagem e de alguns amigos e colegas, contemporâneos ou não, mas na maior parte pertencentes a gerações próximas das de Hélio, vamos formando o conjunto mental de um dos principais “pensadores de Brasil”, alguém que encontrou a via do desenvolvimentismo e tinha o país como centro de suas preocupações. Nada a ver com a moçada neoliberal que tomou o poder da economia (para não dizer das redações de jornais e emissoras de rádio e TV) para propagar a Boa Nova: o Mercado é tudo de bom e o Estado só atrapalha.
Bem diferentes eram as preocupações de Jaguaribe que, ao lado de colegas, faz um balanço muito bem nuançado, por exemplo, dos governos Vargas. Ditador sim, porém raposa política que soube usar a correlação de forças em benefício da classe trabalhadora, que com ele adquiriu direitos - estes mesmos que só agora, pós golpe de 2016, estão sendo demolidos pelo governo Temer.
Com entrevistados como Fernando Henrique Cardoso, Celso Lafer, Luis Carlos Bresser-Pereira, Candido Mendes, Maria da Conceição Tavares, Francisco Weffort, Luis Paulo Rouanet e outros, o filme converte-se em exercício de inteligência. Nada bajulatório e nem reiterativo, pois, como se sabe, esses personagens, que muitas vezes mantiveram e mantêm relações de amizade, e mesmo partidárias, divergem com elegância entre si.
Jaguaribe trabalhou no governo Sarney no Projeto Brasil Ano 2000 e foi ministro da Ciência e Tecnologia de Collor. Foi também fundador do PSDB, mas nada disso está no filme.
Por outro lado, sua adesão à Cepal e a criação do Iseb o situam na linha desenvolvimentista que, sem negar o capitalismo, buscam uma maneira de resgatar o país do 3º Mundo e transformá-lo numa nação industrializada moderna.
Há um toque melancólico (pelo menos foi como senti) nessa trajetória tão rica, ao ver que a preocupação de uma geração já entrada em anos com um projeto de país contrasta de forma violenta com o vale-tudo mercadista atual. Por sorte, o filme termina com uma anedota formidável, um diálogo delicioso entre Jaguaribe e um de seus amigos, o arquiteto Jorge Hue. A mostrar que, diante da irrelevância cósmica, e das peças que a História nos prega, bem vale responder com uma gargalhada inteligente.
A programação com horários, cinemas e sinopses, você encontra aqui. Vale lembrar: os ingressos são gratuitos.
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Zanin
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