domingo, 6 de novembro de 2016

Gramsci, Lula e o PT

Armando Avena

O filosofo marxista Antônio Gramsci dizia que no capitalismo a classe dominante usava seu poder econômico e sua liderança política, moral e intelectual para impor às classes subordinadas sua visão de mundo, apresentando-a como única e verdadeira e disseminando-a no âmbito da religião, da cultura, nas universidades e em toda a chamada superestrutura política, jurídica e social.



Essa hegemonia tornava-se tão forte que as classes dominadas passavam a aceitar essa visão de mundo e a ter desejos e opiniões moldadas por ela. Esse é o conceito de hegemonia criado por Gramsci, e a única forma dos trabalhadores combaterem isso era criando uma contra-hegemonia, ou seja, a classe trabalhadora deveria desenvolver instituições e cultura próprias, disseminando-as para torná-las hegemônicas e tentando sitiar o estado burguês, isso antes mesmo de tomar o poder governamental.



E Gramsci dizia que cada classe criava seus intelectuais cuja função era disseminar uma forma de ver o mundo. Os intelectuais burgueses, mesmo aqueles com posições de vanguarda e progressistas, poderiam estar impregnados do modo burguês de ver a vida e, por isso, era fundamental que os trabalhadores criassem seus próprios intelectuais orgânicos.



E mais, era preciso estabelecer uma guerra de posição, verdadeira guerra de guerrilha, na qual os trabalhadores e seus intelectuais deveriam ir tomando e criando determinadas instituições, como universidades, sindicatos, organizações não-governamentais e outras para estabelecer assim um processo de direção/ dominação que se estendesse por toda a sociedade.



A principal dessas instituições seria o partido político que, juntamente com os intelectuais orgânicos, teria, na visão gramsciana, o papel histórico de ser organizador, dirigente e, fundamentalmente, educador para assim gerar as condições de criação de uma nova hegemonia que levaria ao poder o partido que representasse os trabalhadores. Pois bem, ainda que de forma reducionista, seria possível dizer que a partir de 1980, quando foi criado, o Partido dos Trabalhadores tornou-se o dirigente da classe trabalhadora e Luiz Inácio Lula da Silva apareceu como seu grande intelectual orgânico.



Dispense o leitor a lembrança de que Lula não tem curso superior e boutades iguais, o intelectual orgânico não precisa de títulos nas academias burguesas para representar os trabalhadores, sua intelectualidade se expressa em outros moldes, criando e disseminando uma forma diferente e não burguesa de ver o mundo. Pois bem, esse era, ou deveria ser, o papel do PT e do seu maior líder na saga cujo objetivo era chegar ao poder e construir uma nova hegemonia.



Ao chegar ao poder, Lula e o PT tinham esse imperativo, o imperativo de ser gramsciano, de mostrar que era possível fazer política de forma diferente, exercer o poder sem fisiologismo, sem render-se aos métodos tradicionais e financeiros de arregimentação de maiorias, de modo a criar as bases para a construção de uma nova hegemonia. Infelizmente, o PT, e Lula a sua maior estrela, não percebeu seu papel na História e, ao invés de repudiar o sistema político que tanto combateu, aliou-se a ele e de tal maneira lambuzou-se que, como Fausto ao aceitar o pacto com Mefistófeles, não percebeu que logo ele viria buscar sua alma.



Qual terá sido o momento em que Lula, o intelectual orgânico dos trabalhadores brasileiros, tomou a taça das mãos burguesas de Mefistófeles e, embevecido, sorveu seu conteúdo? Terá sido no momento em que Mefistófeles, travestido de José Dirceu, um intelectual burguês, o convenceu de que a propina era a moeda da política brasileira?



Ou terá sido quando Mefistófeles, travestido de marqueteiro, ofereceu-lhe a taça do vinho Romanée Conti, cuja garrafa custa 10 mil dólares, com a qual ele comemorou a vitória que lhe deu a Presidência da República?



Sinceramente, não sei. Sei apenas que Gramsci ficaria triste ao ver um partido, que podia tornar-se hegemônico no sentido grasmciano, envolver-se completamente nos meandros do fisiologismo e da corrupção e perder o poder por tê-lo exercido potencializando todos os erros que combatia.



Armando Avena é escritor, economista e Professor da Ufba.

Gramsci e o Brasil


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