quarta-feira, 2 de novembro de 2016

A quem interessa um PT de volta às suas origens?

Luciano Rezende *

Sofrendo intenso bombardeio midiático e feroz ataque dos conservadores de todos os matizes – impulsionado à milésima potência com o advento das redes sociais – o Partido dos Trabalhadores (PT) foi para as cordas. E mesmo segurando-se para não cair, esperando o soar do gongo, continua recebendo pancadas de todos os lados, inclusive de sua própria “equipe”.

Um dia após a divulgação dos resultados da última eleição, em que o PT perdeu seis de cada dez votos em relação a 2012, ganhou força uma cobrança desmesurada para que o partido faça uma autocrítica pública sobre sua conduta nos últimos anos, reconhecendo seus desvios e assumindo sua culpa por quase beijar a lona.


Essa cobrança partiu e parte de todos os setores. Desde seus inimigos mais ferinos que se comprazem de alegria em compartilhar desabafos dos chamados “petistas históricos” que abandonaram a sigla, até mesmo de importantes quadros políticos petistas, como Raul Pont e Tarso Genro. Dos primeiros é compreensível tal conduta, mas dos segundos só podemos lamentar.


Não sou petista, mas como todo brasileiro que participa da política e dos movimentos sociais, conheço o básico da história do PT. Mais que isso, sou testemunha ocular da enorme evolução desse partido, sobretudo a partir do final dos anos de 1990.


Aqueles que clamam pelo retorno do PT às suas origens e não viveram aquele período, deveriam estudar um pouco mais sobre como atuava e o que defendiam boa parte dos chamados petistas históricos. Mas para aqueles que, como Raul Pont e Tarso Genro, sofreram na pele o sectarismo de seus antigos e “históricos” colegas de partido, cujo Orçamento Participativo era um fim em si mesmo, não serão os livros que conseguirão demonstrar o equívoco da volta ao passado.



E aqui não me refiro apenas aos mais “notáveis” como Hélio Bicudo (aquele mesmo que foi um dos mais importantes porta-vozes da direita no Golpe de 2016), Cristovam Buarque, Marina Silva, Heloisa Helena, Plínio de Arruda Sampaio, Marta Suplicy, entre tantos outros. Refiro-me a todas aquelas tendências trotskistas ou esquerdistas, das quais saíram da sigla para fundarem o PSTU e o Psol, por exemplo.



“Petistas históricos” que concebiam a organização partidária mais como um tipo de seita religiosa do que propriamente um partido político para intervir em um sistema eleitoral tipicamente burguês.



Tivesse essa turma permanecido na estrutura interna do PT, sequer teríamos elegido Lula presidente e muito menos realizado a imensa obra política de elevar o nível de vida do povo brasileiro em todos os patamares nesses últimos treze anos.



O PT de hoje apanha justamente pelos seus acertos e fundamentalmente por ter compreendido a importância de ser amplo. De entender a centralidade de se abandonar o discurso estreito de quem só falava para dentro e passar a dialogar com amplos setores da sociedade progressista, nacionalista e democrática.



João Amazonas, presidente histórico do PCdoB, era um dos que denunciava o chamado “entrismo” - recomendado nos anos 1930 por Leon Trotsky aos seus seguidores, e que castigava o PT. O entrismo consistia-se nos trotskistas “introduzirem-se sorrateiramente em partidos e organizações de esquerda com o fito de aí realizarem o seu trabalho sectário, divisionista, contra-revolucionário”.



De fato, na sua origem, a despeito dos “setores sadios, sindicalistas sinceros, democratas conseqüentes, trabalhadores combativos” que compunham o PT, esse era infestado por grupos que ostentavam as mais variadas denominações antes e depois de ingressarem nas fileiras petistas: Convergência Socialista, Libelu, Alicerce, Centelha, Travessia, Peleia, entre tantas outras correntes que disputavam internamente para transformar o PT em uma seita dogmática.



Se essas correntes políticas tivessem saído vitoriosas, muito provavelmente o PT teria a mesma quantidade de deputados e vereadores que o PSTU tem hoje, ou seja, nenhum. Para ficar no slogan “Contra burguês, vote 16” é melhor abrir mão de participar do jogo eleitoral burguês. Como se diz por aí: “Não quer brincar, não desce para o play”.



Mas autocrítica não é uma brincadeira. Não pode ser evocada como resposta artificial para os eleitores, tal como um jogo de marketing. Tampouco significa um processo de autoflagelação. Autocrítica pode e deve ser feita para exercer a análise crítica de seus grandes feitos e corrigir a rota visando seus objetivos estratégicos.



Certamente muita coisa deve ser ajustada para se avançar. Mas ao contrário do que reivindica uma carta assinada por Antonio Carlos Granado, Antonio Lassance, Geraldo Accioly, Jefferson Goulart, José Machado e Ronaldo Coutinho Garcia, intitulada “Precisamos falar sobre o PT”, não é prudente defender uma “reinvenção” urgente do partido. Se o PT é hoje muito mais caçado é justamente porque se reinventou há alguns anos, ou seja, sofre implacável perseguição de seus adversários muito mais pelos seus acertos do que pelos seus erros.



Obviamente, muita coisa necessita ser corrigida. Mas sem dar cavalo de pau.



Entre tantas críticas feitas pela carta mencionada acima, muitas delas corretas, falta a principal: o hegemonismo petista. O maior partido de esquerda do país e da América Latina deve ser mais aberto às alianças, sobretudo, com seus aliados históricos, visando uma Frente Ampla de resistência ao neoliberalismo.



E Frente Ampla não é Frente de Esquerda. Frente Ampla, com iniciais maiúsculas, deve aglutinar setores inclusive da direita nacionalista que, em alguns momentos táticos, é atraída pelo programa comum de fortalecimento do Estado Nacional e se opõe a escalada do entreguismo. É forçoso reconhecer que o governo Dilma foi muito estreito e dialogava pouco com as demais forças políticas.



Por fim, é fundamental termos a devida cautela para se evitar que o PT se reinvente em uma espécie de Psol. Aí sim, seria o gran finale do teatro golpista de 2016 com a direita aplaudindo de pé.



Um PT saudável é fundamental para toda esquerda que tal como aprendemos na ecologia tem mais chance de sobrevivência atuando em grupo. Ou como nos mostra as várias relações ecológicas harmônicas, intra ou interespecífico: é hora do comensalismo sair de cena e o mutualismo finalmente prevalecer. Caso contrário, seremos vítimas fáceis da predação ou do parasitismo da elite brasileira.





* Diretor de Temas Ecológicos e Ambientais da Fundação Maurício Grabois

É professor na Universidade Federal de Viçosa, campus Florestal.


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