“Meios Jurídicos Selvagens” |
Até o momento, não se sabe se o membro do MPF que recebeu as provas receberá alguma punição.
Martonio Mont'Alverne
O título do artigo é um empréstimo que faço do conhecido artigo de Maria Rita Kehl, publicado no Estado de São Paulo em 2/10/2010, contra a desqualificação do voto dos pobres na eleição de 2010. Como se sabe, a autora perdeu seu espaço naquele jornal após o texto, o que comprova a procedência de seu pensamento ante tal reação: os pobres votam pelos seus interesses, e não são vistos com “seriedade”; os donos do capital, também a votarem pelos seus interesses, são vistos como eleitores dos “interesses do País”.
Acontecimento semelhante ocorre com mais um episódio da Operação Lava Jato. O Tribunal Penal Federal da Suíça entendeu ilegal o envio ao Brasil de documentos sobre a Construtora Odebrecht. Esta documentação fora enviada sem o trâmite previsto no Decreto 6974/09, e em mãos do procurador da República a chefiar a atuação do Ministério Público Federal no caso. A documentação serviu de base para prisões preventivas. Na decisão, o Tribunal suíço entendeu o fato como “ajuda mútua acobertada” por “meios jurídicos selvagens”, uma vez que se deu cooperação sem qualquer amparo legal ou de licitude.
Muito já se debateu sobre o devido processo legal e a Operação Lava Jato, sobre a seletividade de publicação de depoimentos sigilosos, a respeito das preferências políticas de integrantes de órgãos investigados, notadamente em manifesto recente de mais de 100 advogados.
O que avalio como importante no fato das provas ilegais é a ausência de qualquer notícia sobre a apuração de responsabilidades. Até o momento, não se sabe se o membro do MPF que recebeu as provas - e utilizou-as para seus requerimentos - receberá alguma punição pela prática de ato manifestamente ilegal, ainda que venha a ser sanado. Da mesma forma, não há notícia sobre a responsabilidade do juízo que não controlou a legalidade das provas, tarefa que é sua como guardião da lei e do processo sob sua jurisdição.
O devido processo legal consiste numa garantia fundamental pela singela razão de que é ele a única forma de se chegar à realização da justiça numa democracia, em que todos devem ser iguais perante a lei. Não será somente o órgão responsável pela persecução penal que perde ao aplicar a mesma lei apenas contra aqueles que são por ele acusados. É a República quem perde quando este órgão demonstra sua incapacidade de aplicar o mesmo peso e a mesma medida, especialmente contra si.
Presidente do Instituto Latino-Americano de Estudos em Direito, Política e Democracia (ILAEDPD)
Carta Maior
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