quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016
Trumbo: O homem íntegro diante de um tribunal de exceção
O filme 'Trumbo', mesmo que o filme não faça justiça ao protagonista, mostra como se comporta um homem coerente diante de tribunais de exceção.
Léa Maria Aarão Reis* - www.umacoisaeoutra.com.br
Nos anos 40, nos Estados Unidos, um escritor e roteirista de filmes consagrados e produzidos pela então superpoderosa máquina de Hollywood, se chamava James Dalton Trumbo. Era contratado a peso de ouro pelos grandes estúdios, possuía uma imensa capacidade de trabalho e era adorado pelo público, por conta das histórias e dos diálogos memoráveis que criou para o cinema.
A Princesa e o Plebeu, Spartacus, Exodus, O homem de Kiev, Kitty Foley, Por amor também se mata, Arenas Sangrentas, O roseiral da vida, Johnny vai à guerra (este, dirigido por ele a partir de um livro de sua autoria) foram alguns clássicos escritos com seu imenso talento. Descendente de suíços, e nascido no Colorado, Trumbo era um ídolo da inteligência nacional. Uma espécie de Chico Buarque, guardadas as diferenças de época e de cultura.
Uma noite, ao sair de uma sessão de cinema, em Los Angeles, e reconhecendo-o como a mesma pessoa que vira momentos antes, no cine jornal, sendo acusado de comunista e traidor, um agressivo midiota, perguntou: ’você é o Trumbo?’ e à afirmativa do escritor insultou-o, não o chamando de merda, como ocorreu com Chico, mas atirando um copo cheio de bebida na sua cara.
Estava começando a temporada fascista que levou a sociedade americana ao inferno com o macartismo, e tendo como um dos seus alvos principais artistas de Hollywood. Pressionados a delatarem companheiros de trabalho filiados ao Partido Comunista e “com idéias marxistas”, dez deles se negaram a dedurar colegas, enfrentaram o temido senador Joseph McCarthy, um obcecado caçador de esquerdistas, e resistiram, durante anos, à marginalização profissional e aos preconceitos estimulados pela mídia da época. A repugnante colunista de fofocas de Los Angeles, Hedda Hopper, do influente jornal Hollywood Reporter, trabalhava nesse sentido na linha de frente – como faz a nossa mídia velha, corporativa, daqui. Era outra obcecada em manter Trumbo como um morto-vivo, sem nome e sem trabalho.
Muitos roteiristas e diretores, na época, perderam os empregos e dez deles foram incluídos na célebre Lista Negra do cinema americano. Trumbo era um deles. Em 1947 passou um ano em uma prisão federal condenado por desobediência civil. Recusou-se a delatar. Entrou na história do cinema como legenda, figura emblemática de um episódio de triste memória.
O diretor Jay Roach agora, conta, no seu filme, aspectos da vida desse que foi um dos maiores roteiristas de filmes. Faz um registro da vida dele superficial, leviano e “restrito a um drama familiar”, com assinalam, com razão, os seus admiradores apaixonados – como nós -, e desrespeitoso com um personagem histórico do cinema que foi tão coerente durante os anos sombrios da Lista Negra. Não se detém na origem da opção ideológica dos dez da lista de McCarthy nem mostra como os seus companheiros enfrentaram os dedos-duros.”
O grande ator Edward G. Robinson foi um delator assim como os brilhantes diretores Elia Kazan e Edward Dmytrik, que ficaram estigmatizados por isto até perto do fim de suas vidas.
Trumbo- A Lista Negra entrou em cartaz discretamente. É um indicado ao Oscar. Simultâneo ao filme, o livro que o inspirou, de Bruce Cook (Ed. Intrínseca), Trumbo – A vida do roteirista ganhador do Oscar que derrubou a lista negra de Hollywood, acaba de ser lançado. Sua biografia deve ser conhecida pelos mais moços, mesmo que o filme não faça justiça ao protagonista. As gerações jovens devem saber como se comporta um homem coerente e íntegro diante de tribunais de exceção.
Quando foi solto, ninguém tinha coragem de contratar Trumbo para trabalhar. Todos tinham medo dos tribunais e da mídia, e durante dez anos seu trabalho brilhante foi clandestino. O autor usava pseudônimos ou firmava parcerias com artistas marginalizados para conseguir ganhar dinheiro. Mesmo assim recebeu dois Oscar com outros nomes. (Antes do macartismo, recebera várias estatuetas). Um deles, Robert Rich, nome inventado por Trumbo, nunca, é claro, apareceu para receber a estatueta. O imaginário Rich assinou o roteiro de Arenas Sangrentas, em 1956, e recebeu o Oscar de Melhor Roteiro.
No final da década de 1950, o Comitê de Atividades Antiamericanas do congresso americano já perdera força política. Kennedy era o presidente do país.
O golpe de misericórdia na lista negra e a reabilitação de Trumbo vieram em 1960. Kirk Douglas, estrela e produtor do filme Spartacus, dirigido por Stanley Kubrick, recusou-se a ocultar o nome do roteirista nos créditos do filme no qual, numa das cenas mais famosas, o general romano vivido pelo ator Laurence Olivier oferece perdão aos escravos derrotados em sua rebelião em troca da delação de seu líder, Spartacus. Todos se recusam, bradando, um a um: Eu sou Spartacus!
Outro cineasta brilhante, o alemão Otto Preminger, se recusou, na mesma época, a não assumir sua assinatura no roteiro do seu Exodus.
No Festival de Veneza de 1971, em plena guerra do Vietnã, o filme pacifista Johnny vai à Guerra foi apresentado à fina flor da crítica internacional como num tributo muito especial a Trumbo. Estávamos lá e vimos: ao terminar, foi aplaudido de pé durante vários minutos por uma platéia emocionada; e muitos choravam.
Já McCarthy, bem, todos sabem: é um lixo da História.
*Autora de Os Novos Velhos.
Carta Maior
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