domingo, 21 de fevereiro de 2016
As novas oligarquias
As grandes mudanças políticas ocorridas no Brasil, nestes últimos 50 anos, foram moderadas, contingentes, como, de um certo modo, ocorre com as transformações anunciadas e prometidas. Trocamos as aparências, o que não é pouco, reconheçamos.
A oligarquia que vem do primeiro reinado mudou de forma, modernizou-se, transitou do controle dos colégios eleitorais, embora ainda os tenha em elevado apreço, dominados pelos chefes políticos locais, para uma forma realista de “capitalismo” eleitoral, por cujos guichês correm investimentos pesados a que se associam muitos “empreendedores”.
Já não é a parentela que é transportada na barriga das oligarquias. São interesses mais amplos, que se estendem para além dos laços afetivos da grei familiar. O “chefe político”, o “coronel” de outros tempos nasce, agora, de “fora para dentro”. Não é mais o fazendeiro, o produtor rural, o homem de influência no seu reduto de almas, homens e interesses.
Esse novo personagem é “produzido” pelas dissidências saídas do estreito terreno partidário que não pode abrigar tantas e tão desveladas ambições terrenas. As dissidências alimentam-se de alianças transitórias, uma vez que os partidos se atomizaram em face do tamanho dos interesses e do incomensurável espírito público compartilhados pela lideranças que controlam a máquina partidária. O partido tornou-se um mecanismo eficiente e voraz de socialização de interesses, elo de uma federação de intenções, em cuja celebração pesam mais os acordos de cúpula do que as reivindicações das bases.
A oligarquia moderna usa gravata, exerce o empresariado, enfia o macacão de trabalhador e sindicalista, pratica profissionalmente as artes da política, corteja a máquina governamental, assedia os governantes, pressiona-os, faz ministros e servidores zelosos e leais – e arregimenta votos em moeda corrente ou mediante favores relevantes. Muitos deles frequentaram a Academia e lá adquiriram certos vezos saudáveis, até cultivam o hábito da leitura. Os atores, escondidos debaixo do manto diáfano da modernidade, são, entretanto, os mesmos.
Observadores indulgentes da nossa vida política apelidaram-na de “oligarquia urbana”, em contraposição à sua face secular, que a caracterizou, por um largo tempo histórico, a “oligarquia rural”. A classificação jeitosa não enquadra, entretanto, o fenômeno por inteiro, apenas lhe confere distinção imprecisa, a pretexto de batizar supostas diferenças.
A oligarquia, em sentido genérico, substantivo, implica, a seu modo, em uma forma de intermediação de interesses e de agenciamento de favores, segundo a percepção de Weber, versão prática da lealdade como contra-prestação da proteção dispensada pelo poder eminente, exerça ele o convencimento do carisma ou do poder legal.
A nova oligarquia não sobrevive sem os vínculos carnais, que a subordinam ao poder central, ao Estado federativo por via dos canais formais de intermediação, pelos quais correm os favores, as concessões e as partilhas por obra generosa dos seus agentes.
Da antiga oligarquia artesanal, calcada em relações cordiais ou na prepotência dos seus agentes, passamos para uma oligarquia moldada pelo moderno capital, pelas engrenagens sindicais ou movimentos sociais, emolduradas pela força da União e encaixadas na cesta de Pandora de que se servem os governos para a prestação das suas boas ações.
Paulo Elpídio de Menezes Neto
pedmn@globo.com
Jornal de Hoje
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