quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016
Revolução: uma forma de obter o céu na terra
Afinidades Eletivas
Warren Beatty atuando em seu filme “Reds” no papel de John Reed. A obra é uma interpretação do livro “Dez dias que abalaram o Mundo”, que narra a fase crucial da Revolução Russa
Quase cem anos após 1917, a ideia de Revolução estaria superada? Ou seria, assim como o amor, a reinvenção do risco e da aventura, contra a segurança e o conforto?
Por Nuno Ramos de Almeida
No seu livro “Redenção e Utopia”, Michael Löwy faz uma análise da relação existente entre o messianismo judaico e a crença na revolução que veio a percorrer gerações de jovens intelectuais judeus, na Europa Central, tendo contribuído para a sua militância. Haveria uma espécie de simetria nas estrutura do pensamento religioso que permitiria a sua fácil transformação em pensamento revolucionário. Löwy fala de uma “afinidade eletiva”, um conceito ou uma imagem que tem uma longa história, vindo da alquimia, passando pela literatura e acabando nas páginas deste pensador.
No fundo, a revolução seria uma forma de obter o céu na terra. Numa célebre passagem, Marx aborda o fracasso da Comuna de Paris e fala da tentativa dos operários parisienses de tomarem os céus de assalto. No dia 18 de março de 1871 foi proclamada a Comuna de Paris. A primeira tentativa dos trabalhadores de tomarem o destino nas suas mãos foi afogada num banho de sangue. Os historiadores falam de dezenas de milhares fuzilados (entre 7500 e 30 mil executados). A derrota da Comuna de Paris não enterrou o sonho de uma maior igualdade, liberdade e fraternidade, para usar os termos da Revolução Francesa, nem o desejo de construção de um poder que expresse a vontade majoritária daqueles que trabalham.
Não há revolução sem revolucionários: a insurreição alastrou porque havia 600 mil operários numa população de milhão e meio que já não suportavam as suas condições de vida e não toleravam a entrega, pelo governo, da cidade aos invasores prussianos. Como escreveu Marx, cansados da servidão, os operários parisienses tentaram tomar os céus de assalto. Tinham tudo contra eles, mas preferiram o risco a viver de joelhos.
Normalmente, os fracassos são vistos como impossibilidades, e as tentativas de conquistar os céus como prenúncios de quedas dolorosas. Próxima ano fará um século que os operários russos tomaram o poder e fundaram a União Soviética. Este país já não existe para assinalar o centenário da tomada do Palácio de Inverno. Mas não deixam de existir as razões que levaram à revolta e à revolução. O mundo que vivemos continua a ser profundamente injusto e desigual. Segundo um estudo publicado em janeiro de 2016, a riqueza acumulada pelos 1% mais abastados da população mundial equivale agora, pela primeira vez, à riqueza dos 99% restantes. Esta é a conclusão de um estudo da organização não governamental britânica Oxfam, baseado em dados do banco Crédit Suisse relativos a outubro de 2015. O relatório também diz que as 62 pessoas mais ricas do mundo têm o mesmo, em riqueza, que toda a metade mais pobre da população global.
Garantem-nos que a história acabou. E que é mais possível uma tragédia global que extinga a humanidade que produzir uma mudança de regime econômico que permita uma vida digna à maioria da população. Parte da nossa submissão é garantida pela aceitação dessas premissas que querem fazer da política a arte do possível assim-assim. A revolução é como a paixão, parte da não aceitação daquilo que existe e do desejo de conseguir aquilo que é dado como impossível. São rupturas que criam as suas próprias condições de possibilidade. Dão vida aos seus próprios antecedentes. Como escrevia Rimbaud, quando pensava no inferno e se propunha transformar o mundo e mudar a vida, “l’amour est à reinventer, on le sait”. Na política como na vida deve-se lutar para reinventar o risco e a aventura contra a segurança e o conforto. Badiou defende que há no amor, como na revolução, uma capacidade de produzir verdade e uma semente da universalidade que transcende num momento a nossa própria mortalidade. Seja isso o que for, passa pela capacidade de se somar ao outro. Aquilo que começa por um encontro do acaso torna-se um momento de ruptura. Como escrevia Mallarmé, “l’hasard est enfin fixé…”
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