A quem Defensoria Pública defende no processo penal? Réus que cometem crimes, o que faz parte da sua função digna e muito nobre: a defesa dos pobres e necessitados no nosso Estado Democrático de Direito, tentando restabelecer o princípio da igualdade entre ricos e pobres.
Ainda assim, não entendemos a posição institucional da "Defensoria Pública" contra o toque de acolher. Toque de acolher é coisa séria. Reduz violência e é aplicado nos países do primeiro mundo.
Essas pessoas que se dizem contra o "acolher" só andam em gabinetes, não se preocupam em tomar atitudes contra a prostituição infantil e contra o crack que tomam conta dos nossos menores de 18 anos.
Não tomam atitude por vários fatores. É muito fácil estar na capital, sob o comando de uma instituição, e tentar trazer os holofotes por meio de uma suposta "ação" contra o toque para manter a omissão no combate à violência juvenil. Muitos criticam as decisões inovadoras.
Depois da redemocratização do país, não se pode mais fazer restrição a nada. Mas se o Estado não faz restrição a excessos, os criminosos fazem e impõem seu "toque de recolher". O jornal New York Times informou que, em Salvador, por exemplo, houve um aumento de 430% no número de homicídios de 1999 a 2008. O que os opositores fazem contra isso na Bahia?
Se estes são supostos especialistas contra o toque de acolher, já existem quase cem juízes, também especialistas, aplicando o toque de acolher no Brasil, lembrando que esta é uma matéria muito mais afeta aos juízes da infância, prevista no artigo 149 do Estatuto da Criança e do Adolescente, do que aos "especialistas" ditos pelo jornal, na matéria intitulada "Especialistas reprovam toque de recolher", veiculada no jornal "A Tarde", em 02/09/11.
Se estes são especialistas, os juízes da infância são "superespecialistas" nesse tema, conforme preceitua o artigo 149 do ECA, segundo o qual são os juízes da infãncia que conhecem a realidade e local. TJ-MG, TJ-PB, TJ-MS, TJ-SP e STJ já julgaram recursos de quem ajuizou ação, no referidos Tribunais, contra o toque de acolher e, em todos esses recursos, os aludidos Tribunais se manifestaram favoravelmente ao Toque de Acolher.
Assim como o direito à propriedade, como o direito à vida, o direito de ir e vir dos menores de 18 não é absoluto. Os direitos fundamentais podem ser limitados quando em jogo com interesses maiores da sociedade: o direito à vida das crianças é mais importante do que o ir e vir, às 2h da madrugada, de uma criança sozinha de 10 anos. É a chamada limitação das liberdades públicas ou conveniência das liberdades públicas, como bem diz Alexandre de Moraes, no festejado livro "Direito Constitucional", segundo o qual os direitos fundamentais não são absolutos.
Evidenciando que os direitos não são ilimitados e com base nas limitações das chamadas "liberdades públicas", por exemplo, numa situação de legítima defesa, a vida do agressor pode ser ceifada. Em outro exemplo, uma propriedade improdutiva pode ser desapropriada para fins de reforma agrária.
O ECA, no artigo 74, autoriza o poder público a regular o acesso dos menores a diversões públicas, como o acesso à via pública no período noturno, podendo ser restringido o acesso dos adolescentes, por meio de portaria do juiz da Infância e Juventude. Finalizo, citando a doutrina do jurista e expert no Estatuto da Criança e do Adolescente, Valter Kenji Ishisda, em seu livro "ECA comentado", que traz considerações sobre a legalidade do toque:
"Questão que recai é sobre a legalidade e constitucionalidade da medida. O CONANDA em sua 175ª Assembleia aprovou parecer contrário à medida. Seus principais argumentos são de que novamente crianças e adolescentes seriam tratados como "objetos de direito" e ainda que há restrição ao direito à convivência familiar.
“Respeitados esses posicionamentos, próprios de um estado democrático de direito, não visualizamos como medida ilegal ou inconstitucional a portaria que limita o horário noturno de criança e adolescente. O art. 74 do ECA já dispunha sobre a regulamentação pelo Poder Público da diversão e do espetáculo. Nessa diapasão, toda criança ou adolescente possui direito à diversão e espetáculo adequado à sua faixa etária. Existe, portanto, um poder normativo do magistrado da infância e juventude, adequando o horário da diversão da criança e do adolescente. Relacionado ao mesmo, o direito de ir e vir no período noturno que se relaciona diretamente à diversão pública. Pode-se alegar por exemplo que o adolescente frequente o ensino médio ou mesmo o superior nesse horário noturno. Logicamente, essa atividade deve constituir exceção ao denominado ‘toque de recolher’.
“Importante frisar que tal poder do magistrado menorista repousa conforme já salientamos em nosso Infração administrativa no Estatuto da Criança e do Adolescente, p. 24, no poder de polícia consistente na obrigação da Administração Pública de condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado. Conforme salientamos, a edição de portaria encaixa-se nesse poder de polícia de cunho eminentemente administrativo. O mesmo já era conhecido com a edição do então Código Mello Mattos e, como destacamos, o próprio magistrado Mello Mattos sofreu enorme pressão em razão do mesmo tencionar exercer esse poder sobre a diversão menorista. É preciso ressaltar que o exercício efetivo da proteção integral e do superior interesse da criança e do adolescente não se faz apenas pela efetivação dos seus direitos, mas também com a delimitação das suas obrigações. O juiz, ao efetivar o poder normatizador através da portaria, estará também de certa forma, contribuindo à sua educação, limitando o contato pernicioso de crianças e adolescentes com substância entorpecentes, bebidas alcoólicas, cigarro etc. Assim, desde que bem direcionada e admitindo exceções como a de circulação de adolescentes em período de estudo ou acompanhado dos pais ou responsável legal, não vislumbramos obstáculo a instituição de portarias pelos juízes regulamentando o horário noturno de circulação de crianças e adolescentes".
José Brandão Netto é Juiz em Itapicuru (BA)
Revista Consultor Jurídico, 26 de setembro de 2011
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