Valério Arcary e Gabriel Casoni
Após dez dias de paralisação nas estradas, a crise política e social está instalada no país. Embora haja sensível redução da greve de caminhoneiros, que caminha para o fim após forte repressão do Exército e da polícia, o cenário é de enorme instabilidade e incertezas.
Neste contexto, teve início a greve nacional de petroleiros na quarta (30). Com a liminar do TST que decretou a greve abusiva e a presença de tropas do exército em refinarias e terminais, é possível que o movimento faça um recuo momentâneo. Os trabalhadores exigem a redução do preço do gás de cozinha e combustíveis, a demissão do presidente da companhia, Pedro Parente, e o fim do processo de privatização da estatal. A luta dos petroleiros pode incidir positivamente sobre a conjuntura. Merece, assim, a mais ativa solidariedade para vencer.
Um governo nas cordas e o fortalecimento da extrema-direita
Como resultado da revolta dos caminhoneiros, o governo Temer se encontra ainda mais fragilizado. A crise política é de grandes proporções. Estamos perante uma crise de governo que é a instituição mais importante de um regime presidencialista. A incapacidade gerencial diante de uma ameaça anunciada, o quadro de desabastecimento, a opção por soluções improvisadas, concessões que dividem a classe dominante, entre outros elementos, revelam a confusão e as disputas existentes no andar de cima.
Por outro lado, observamos a extrema-direita exercendo intensa pressão sobre a conjuntura e promovendo algumas ações de importância. Houve marchas em Brasília, na avenida Paulista, cidades do interior e até em regiões periféricas na segunda (28). Jair Bolsonaro declarou apoio à paralisação. Mas, pressionado por setores empresariais, terminou pedindo o fim do movimento. Ou seja, a extrema-direita, que começou apoiando a greve, terminou fazendo apelo pelo fim dela. Ademais, as FFAA e a Polícia Federal foram para as estradas para reprimir a greve dos caminhoneiros, sendo fundamentais para desmontar os bloqueios – e agora ameaçam fazer o mesmo com a greve de petroleiros. Quer dizer, a “intervenção” militar ordenada por Temer fez refluir o movimento dos caminhoneiros.
Temer preside um governo morto-vivo, tremendamente enfraquecido. Mas instituições do regime estão fortes e ativas, como podemos ver pelas atuações do Judiciário e das forças repressivas (FFAA e Polícia Federal) nas greves. A crise de governo se dá no marco de uma situação política defensiva para os trabalhadores, na qual prevalecem os elementos reacionários. Há pressões bonapartistas, autoritárias, que se revelam com mais nitidez no crescente discurso favorável à intervenção militar. Por outro lado, existe uma disposição dos trabalhadores e oprimidos em resistir aos ataques desferidos, em lutar em face a piora dramática nas condições de vida e em defesa dos direitos conquistados. A combinação desses dois fatores produz um cenário de muita instabilidade.
Não há um golpe militar em marcha, mas o discurso da intervenção é perigoso
Embora exista uma forte agitação pela intervenção militar, com respaldo em setores de massa, não há perigo de sublevação militar no curto prazo. Nem o imperialismo nem a classe dominante nacional têm essa linha, neste momento. Não se improvisa uma insurreição militar. Seria necessária a reunião de muitos fatores inexistentes: unificação da maioria da classe dominante, que ainda não existe; apoio majoritário na classe média, incapacidade de resistência entre os trabalhadores, uma disposição das FFAA, cenário internacional receptivo, uma agitação prévia com cumplicidade da mídia, um plano de governo, um projeto estratégico. Nenhum desses elementos estão presentes na conjuntura, embora possam se desenvolver mais adiante, caso a crise se agrave, no médio prazo, qualitativamente.
É preciso assinalar, ainda, que a greve de caminhoneiros não foi um lockout patronal, apoiado pelos EUA, com o objetivo de impor um golpe militar. Quem fez essa leitura do processo, se equivocou redondamente.
Há, sim, uma corrente de opinião ascendente, como peso minoritário de massas, que defende a intervenção militar e teve expressiva influência na greve, e por essa razão deve ser duramente combatida, assim como existe um perigoso processo de fortalecimento das Forças Armadas, que está de volta à cena política, inclusive com a presença de ministros militares no governo Temer. O necessário e enérgico combate à extrema-direita e Jair Bolsonaro não deve ser confundido com o alarmismo de uma iminente quartelada militar.
Golpe dentro do golpe?
Mas há ameaça de um “golpe dentro do golpe”, para forçar a formação, com ou sem Temer, de um governo mais autoritário? Tampouco parece ser a hipótese mais provável. Especula-se a respeito de pressões pela convocação do Conselho da República, Estado de emergência ou de sítio. Pressão que viria de uma fração da burguesia, setores como o de transportes e o agronegócio. Na hipótese de um governo de transição, Rodrigo Maia é tido como o substituto de Temer, após pressão pela renúncia ou de votação na Câmara de Deputados para o afastamento do emedebista. Neste momento, parece pouco provável que Temer venha a ser derrubado por um golpe palaciano. Faltando poucos meses para as eleições, a classe dominante prefere esperar o término de um governo moribundo do que correr o risco de uma instabilidade adicional provocada por uma nova troca de presidente. O risco de Temer cair estará colocado caso a crise se agrave e saia do controle.
A esquerda e a crise política: é preciso agir
Os aspectos contraditórios da revolta dos caminhoneiros, que mesclou o protagonismo de trabalhadores autônomos com interesses empresariais, e o peso político da extrema-direita no processo, provocou muita confusão e paralisia na maioria da esquerda e no movimento sindical. Sem reconhecer o caráter progressivo da greve, que levantou uma pauta popular e catalisou o mal estar social, as centrais sindicais e o PT ficaram inertes ao longo da última semana, não sendo capazes de propor uma linha de ação efetiva, e nem mesmo de apoiar ativamente a greve de petroleiros. Assim, facilitaram o avanço da influência da extrema-direita entre os caminhoneiros e povo.
Com a luta dos petroleiros, porém, está dada uma nova oportunidade para a esquerda, as centrais e os movimento sociais. É preciso abraça-la, ainda que haja um recuo da greve nesta quinta (31), com a mesma disposição e energia que os seguidores de Jair Bolsonaro intervieram na paralisação nas estradas. Nesse sentido, tem muita importância a convocação unificada, para o quanto antes, de um dia nacional de protestos e greves. Os atos chamados pelas Frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo em algumas capitais, nesta quarta (30), foram um primeiro passo positivo, mas ainda insuficiente. A unidade dos trabalhadores e da esquerda pode fazer a diferença. Ainda há tempo para disputar a conjuntura pela esquerda, mas esse tempo é escasso. É preciso coragem.
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