terça-feira, 8 de março de 2016

"Quero que o PT saia da inhaca em que se meteu", diz Olívio Dutra

Petista comenta situação do partido e denúncias contra Lula

— O Lula abriu um guarda-chuva enorme. Veio um amigo daqui, um amigo dali, que criaram situações. Agora, cabe a ele explicar, com toda a franqueza.

É essa a expectativa do petista histórico Olívio Dutra, ex-governador do Rio Grande do Sul (1999-2002) e ex-ministro das Cidades no primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2005). Fundador do PT, em 1980, junto com o também sindicalista que virou presidente da República, Dutra, aos 74 anos, bancário aposentado, é presidente de honra do PT gaúcho.


— Não sou candidato a nada, não quero ser, não serei, não devo ser, nem ao Legislativo, nem a um posto executivo — disse ao jornal O Estado de S. Paulo em longa entrevista por telefone na tarde da terça-feira passada.


O mote da entrevista foi a investigação sobre a ligação do ex-presidente Lula com dois imóveis — um apartamento no Guarujá e um sítio em Atibaia — em andamento na Operação Lava-Jato e no Ministério Público de São Paulo, contestada pelo ex-presidente e seus advogados no Supremo Tribunal Federal. Além de comentá-la, o também ex-deputado constituinte (86-89) e ex-prefeito de Porto Alegre (1999-2003) aprofundou suas críticas ao PT e ao que chamou de "trampolinagem política".

A par da crítica amarga, Olívio Dutra mantém a esperança:

— Eu sou PT e quero que o meu partido saia dessa inhaca em que se meteu por essa política do pragmatismo e da governabilidade a qualquer custo.

Como o sr. está vendo as denúncias contra o presidente Lula?

A visão que marcou a criação do PT foi essa de que a coisa pública não é propriedade do governante, dos seus amigos, dos seus familiares, dos seus partidários. Essa visão não pode mudar assim, no bojo das situações e das circunstâncias. Isso é um ideário básico. Está nas razões da fundação do PT. São questões permanentes.

E isso mudou?

Um partido que nasceu para ser um contestador da política tradicional e fazer da política a construção do bem comum de repente está não sendo diferente de nada das tantas coisas que criticava, contra as quais nos colocávamos diametralmente opostos. O Estado não é propriedade privada ou pessoal de ninguém, nem do governante, nem dos grupos econômicos, nem da mídia.

O PT perdeu esse foco?

O PT não podia perder esse objetivo na sua ação política. O PT deixou de fazer a discussão que devia ter feito. Lutamos contra a ditadura e contra as estruturas do Estado, contra os interesses dos mais poderosos, dos mais ricos, dos mais influentes. Queríamos fazer a máquina do Estado funcionar com outra lógica...

E não foi isso que aconteceu?

Eu tenho essa visão crítica. Eu acho que o PT está envolvido num espaço de atuação em que perdeu a sua identidade e se misturou com a política mais tradicional. Quem mudou não foram os adversários. Nós é que mudamos — e, no meu entendimento, para pior. Há necessidade de resgatar essa discussão da política como a construção do bem comum.

O que sr. achou das explicações do ex-presidente Lula para o tríplex de Guarujá e o sítio de Atibaia?

Eu não converso com o Lula há bastante tempo. Tenho uma enorme estima pelo Lula, que conheci em 1975, nas lutas sérias. Tenho uma preocupação com as coisas que o Lula está sofrendo. Mas eu também fico me perguntando, em relação àquele sítio lá, e ao tríplex, por que não esclarecem logo tudo, publicamente?

Transparência total...

O Lula não tem nada a perder com essa transparência. Quem exerce cargos importantes sabe que os antigos inimigos se transformam em amigos. Alguns continuam sendo amigos porque ainda acham que tu podes exercer influências. Se aproximam, fazem gestos, buscam levar para uma festa, para um coquetel, uma viagem. Nada disso é de graça, tudo faz parte da trampolinagem política. Então, tem que ter a pulga atrás da orelha. O Lula não tem nada de ingênuo. É uma grande figura, de sensibilidade, com capacidade de prever as coisas, de ver longe. Eu acho que ele abriu um guarda-chuva enorme, e debaixo desse guarda-chuva veio um amigo daqui, um amigo dali, que criam situações. Agora, cabe a ele explicar, com toda a franqueza.

Como o sr. vê o fato de o Instituto Lula ser financiado pelas empreiteiras e do presidente Lula levar uma vida profissional bancado por palestras pagas pelas mesmas empreiteiras?

É natural na política tradicional, vem de séculos até. Então, aí não inovamos. O partido não inovou. Devia se confrontar com essas condutas e muitas vezes foi assimilando isso. Então, estamos no mesmo balaio. Essa é a questão. O Fernando Henrique Cardoso também tem um instituto. Agora, só porque ele tem, nós também temos que ter? O Sarney também tem, e aí tudo se justifica. Aí acontece o que eu chamo briga de bugio. Os bugios, quando se desentendem, fazem as fezes na mão e jogam uns contra os outros. É um processo evidente de degradação da política.

No qual o sr. considera que o PT entrou?

Não inovamos, pelo pragmatismo. Se está no poder, tem que governar. E, para governar, você faz um acerto aqui com esse, ali com aquele outro, e vai sendo engolido por um processo que era para ser transformado.

O Instituto Lula e o próprio ex-presidente ficaram maiores que o partido, não?

O Instituto Lula não é uma excrescência, mas não é uma inovação positiva. No PT, também os mandatos legislativos e executivos são estruturas maiores que as instâncias partidárias. Um vereador em São Paulo tem uma estrutura própria maior que a instância do partido. Acabam formando estruturas próprias, que se sobrepõem às estruturas democráticas do partido, criam disputas inclusive na base partidária, para ver quem é que vai ocupar o espaço. Não instigamos um debate provocativo por dentro dessa máquina. Como ir para dentro da máquina do Estado, que não funciona bem para a maioria da população, e não ser absorvido pela máquina, não ajudar de dentro para fora aqueles que de fora para dentro lutam para que essa máquina funcione com outra lógica? Essa é a questão.

E como resolve isso?

Tem que fazer uma autocrítica séria, o que não fizemos até agora. A maioria, que tem a direção do partido, não fez essa autocrítica séria. O partido não pode simplesmente achar que não cometeu erros. Figuras importantes, em cargos importantes dentro do governo, cometeram erros seriíssimos, agredindo inclusive o patrimônio ético moral do partido e da política. O (Paulo) Maluf, por exemplo. Eu nunca podia imaginar que um dia nós estivéssemos de braços dados com o Maluf. E por aí vai.

Nos cargos executivos que o sr. exerceu — prefeito, governador, ministro —, como administrou eventuais ofertas de empreiteiras, palestras, por exemplo, durante ou depois do mandato?

Eu nunca peguei dinheiro com palestra, nunca me dispus a isso.

O sr. nunca quis fazer o Instituto Olívio Dutra?

Não. Até porque é outra conjuntura, é outra realidade. Não sou o sal da terra e nem quero dizer que a minha experiência é a melhor. Nós também enfrentamos coisas contraditórias por aqui.

Qual era o seu parâmetro?

Governar bem para a maioria às vezes significa esgarçar as relações com setores que querem tirar proveito próprio de uma relação pessoal, com aquele grupo, com aquela família, com aquela pessoa. Eu sempre tive um pé atrás com isso. Nunca fui unanimidade no meu partido, nunca fui, nem hoje. Hoje eu sou oposição à direção nacional, mas eu sou PT e quero que o meu partido saia dessa inhaca em que se meteu por essa política do pragmatismo e da governabilidade a qualquer custo.

E como é que sai?Nós temos estruturas que precisam ser mudadas. A estrutura política partidária que existe hoje é uma excrescência, para dizer o mínimo. Tu eleges um presidente da República, ou uma presidente, como é a Dilma, com um projeto. E o Congresso é composto majoritariamente por aqueles que defenderam outro projeto. E, no entanto, por serem maioria, eles vêm para dentro do governo. Isso cria uma contradição. Tudo vira um toma lá dá cá, um é dando que se recebe. E nós não mexemos nessa estrutura, não fizemos reforma política séria, nem reforma tributária, nem reforma agrária, nem reforma urbana, que ficou tudo no Judiciário. Continuam dando isenção tributária a grupos poderosos. Nós não mexemos nessas coisas. Fizemos muito, mas deixamos muito por fazer. E fizemos muita coisa errada também. A política não pode ser uma manobra dos mais espertos, dos mais atilados. Tem que ser a construção do bem comum com o protagonismo das pessoas.



ZH Notícias 
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