Mauro Santayana
Perdeu-se, nesta campanha, repita-se, a oportunidade de que fossem discutidas relevantes questões de Estado. Há a constrangedora suspeita de que os contendores não quiseram ir além das providências administrativas, por temerem alçar-se à análise da anatomia do Estado. Esquivaram-se de apresentar abrangentes programas de governo, como, por exemplo, fez Juscelino, com seu Plano de Metas. O presidente, para os que não viveram aquele tempo, apresentou um elenco de trinta metas, que a nação poderia atingir (a 31ª foi a da construção de Brasília), e as associou à projeção da nacionalidade no mundo. A um amigo pessimista, que considerava delírio a sua promessa de fazer o país avançar 50 anos em 5, ele respondeu com a frase curta e poderosa: “É que você não conhece este povo”. As metas de Juscelino foram o instrumento político para mobilizar o país, e meio adequado para assegurar-lhe a autoestima, sem a qual não se erguem as grandes nações.
Juscelino nunca viu no desenvolvimento apenas seu aspecto econômico, mas, tal como Vargas o fizera antes, como fermento para a afirmação e consolidação da soberania nacional. A soberania se faz com vontade e razão, mas necessita de economia forte, a fim de assegurar os ferros, ou seja, as armas que asseguram a independência dos povos.
O mundo que nos espera, nestes próximos e decisivos anos para a Humanidade, pede, além da exigida honradez dos governantes, a vigilância permanente sobre os movimentos universais na estrutura do poder. Na Antiguidade, um sistema imperial podia durar milênios ou várias centenas de anos. Hoje essa situação de predomínio tende a se abreviar, cada vez mais. Há noventa e nove anos, quando Sun Yatsen derrubou a dinastia manchu e proclamou a República, a China não passava de vasta colônia de miseráveis e drogados, pervertida pelo ópio que os ingleses haviam introduzido no país – e humilhada pelos europeus. Retornando a suas raízes milenares, e nelas enxertando, com as ideias do socialismo, as conquistas da tecnologia moderna, a China, nos últimos 50 anos, tornou-se a amedrontadora potência de hoje. Os Estados Unidos e a Inglaterra, além de sequazes menores, soçobram agora no charco moral de guerras inglórias e inúteis, como revelam os mais recentes documentos do Wikileaks. É uma triste ironia que, nas mesmas horas em que as atas da guerra do Iraque são expostas ao mundo, o governo títere do Iraque condene à morte Tariq Aziz, vice-primeiro-ministro de Saddam Hussein, cristão, que se revelou grande estadista, ao tentar salvar o seu povo do massacre ocidental, apelando em vão para a consciência do mundo, a começar pelo Vaticano, em busca da paz. Tariq acreditou no Ocidente; rendeu-se, confiado, aos Estados Unidos, e foi por eles entregue aos seus inimigos internos.
Quem pensar um pouco sobre a situação mundial entenderá que devemos continuar mobilizando nossos esforços, intelectuais e políticos, na permanente atualização do velho projeto nacional. Esse projeto avançou nos anos 50, a partir da Petrobras, criada e mantida sob o controle do Estado, graças aos dois grandes presidentes, o gaúcho e o mineiro, que sofreram, na carne e na alma, o acosso dos vendilhões da pátria. Não podemos dele recuar.
A Petrobras não é mencionada por acaso. Ela, sob o controle do Estado, é mais do que o símbolo do que é capaz de fazer este povo, para repetir Juscelino. É a pedra angular de um Brasil que não se intimida mais diante do mundo.
Esperamos que, depois de Finados, e antes de janeiro, possamos, todo o povo, discutir os grandes temas de Estado, esquecidos durante a campanha. Entre eles, o projeto do pré-sal, que se encontra no Senado para ser votado nas próximas semanas, e está ameaçado de desfiguração pelas emendas neoliberais.
Jornal do Brasil
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