domingo, 24 de outubro de 2010
Para Erundina, "direita se esconde atrás do anonimato"
Apoiadora de Dilma, deputada enxerga campanha raivosa, feita também na internet, para “impedir a continuação do primeiro governo operário do país” e defende que o o sistema político brasileiro passe por uma reforma para democratizar a participação de homens e mulheres.
André Rossi
A deputada Luiza Erundina em seu gabinete, em São Paulo. Reforma por um sistema mais igualitário entre homens e mulheres.
No último dia 3 de outubro, Luiza Erundina reelegeu-se deputada federal com mais de 200 mil votos, sendo a décima parlamentar mais votada do estado. Para ela, a afirmação da proposta socialista do partido se dá na participação dele no projeto desenvolvimentista do governo Lula e na militância, que atua nos mais diferentes segmentos sociais. Em entrevista à Fórum, Erundina falou sobre o atual cenário político nacional, reforma política, manifestações raivosas e preconceituosas da direita contra a candidatura Dilma, a eleição de Tiririca, entre outros temas.
Confira abaixo:
Fórum - Desde o começo da campanha, a senhora declarou apoio à candidatura de Dilma. Por que o projeto político que ela representa é o melhor para o Brasil nessas eleições?
Luiza Erundina - Primeiro porque ela tem um papel fundamental na construção do governo Lula, que tem falhas, defeitos, insuficiências, mas foi a proposta que mais avançou até agora no interesse da maioria da população brasileira, sobretudo pelos trabalhadores. São oito anos de um plano de governo que vem apresentando resultados reconhecidos por quase toda sociedade. Então, temos que fazer tudo para evitar que esse projeto seja inviabilizado. Nós sabemos que o outro candidato (José Serra), embora tenha um projeto distinto, não demonstra interesse em demarcar essas diferenças. A eleição dele viria a comprometer avanços importantes e conquistas valiosas que aconteceram no país.
Segundo porque, com a vitória da Dilma, temos a oportunidade de corrigir uma injustiça histórica com mais da metade da população brasileira, que somos nós as mulheres. Nunca uma mulher chegou à presidência da República. Temos muito pouco espaço nas decisões políticas estratégicas do país e isso, a meu ver, compromete o próprio caráter democrático da sociedade brasileira. Se nós não corrigirmos esse desequilíbrio, nós ficaremos devendo para a consolidação da democracia, que supõe igualdade de oportunidade e equilíbrio entre diferentes segmentos da sociedade na perspectiva da igualdade de direitos e oportunidades.
A Dilma não é qualquer mulher, ela tem uma história de luta pela democracia. E na juventude deu sua contribuição para que hoje uma mulher possa estar disputando a presidente da República com chances reais de vencer.
Fórum - A senhora é a favor do voto em listas de alternâncias de gênero. Porque você acha que essa é uma boa fórmula para o nosso processo eleitoral?
Erundina - No Congresso, defendo um projeto de lei que propõe a lista pré-ordenada com alternância de gênero, como há em outros países da América Latina. A medida corrigiria a votação nominal e conceberia uma votação em listas, definidas internamente e democraticamente pelos partidos. Essa lista, ou chapa, estaria associada a um projeto partidário que se afirmaria nas eleições. E aí caberia ao eleitor votar no melhor projeto de acordo com sua opinião. Isso levaria a uma mudança de cultura política no processo partidário e eleitoral.
Essa medida de alternância de gênero explica bem o crescimento da presença de mulheres na política. Por exemplo, a Argentina tem cerca de 40% de mulheres no parlamento antes de adotar a medida, ampliou a presença da mulher na política de lá.
Fórum - Este sistema de votação em listas contemplaria tanto os cargos votados por eleição proporcional como majoritária?
Erundina - Se manteria a fórmula de disputa para cargos majoritários com coligações e eleição com maioria de votos. Já a eleição para cargos proporcionais, com representação no Congresso, mais particularmente da Câmara, se daria mediante votação em listas.
Fórum - A reforma política será uma prioridade no novo Congresso? Como irá trabalhar essa questão na Câmara dos Deputados?
Erundina - Em toda eleição os candidatos incluem a reforma política na sua retórica eleitoral. No entanto, as eleições passam, as candidaturas começam, e eles se esquecem. Pois, como foram eleitos nas regras atuais, não querem arriscar mudá-las para que não corram o risco de não serem reeleitos numa próxima eleição.
Os partidos, por sua vez, não têm compromisso em fazer a reforma política, seja ele de esquerda, direita ou centro. No discurso todo mundo diz que é a “reforma das reformas”, mas ninguém investe nela. Essa é uma tarefa do Congresso, que deve ganhar investimento da presidência da República para que ela ocorra no início da gestão presidencial, porque no fim a resistência é maior.
Sem ela nós não vamos corrigir os abusos do poder econômico nas eleições, a corrupção eleitoral, os desvios que ocorrem depois de uma eleição, quando se definem as leis orçamentárias. Ou se resolve isso de uma vez, ou nunca vamos corrigir os abusos do poder econômico e a corrupção eleitoral.
A Lei da Ficha Limpa, por exemplo, é uma tentativa importante de reforma que contou com a participação da sociedade civil, porém não resolve nosso sistema político, pois depende muito da maneira como o judiciário decide aplicar a lei. Além disso, cria um mecanismo que reforça a omissão e o descuido dos partidos políticos na seleção de seus candidatos e de seus filiados. Se nossos partidos tivessem critérios para escolher candidatos e filiados, de uma maneira democrática e transparente, não haveria necessidade dessa lei. Hoje, em qualquer partido, as filiações acontecem em massa, sem nenhum critério. Isso desqualifica o partido, distorce a proposta e conseqüentemente desqualifica o processo partidário e eleitoral.
Fórum - Ainda em relação à reforma política, quais são os principais pontos que ela deve apresentar?
Erundina - O da lista alternada entre mulheres e homens com financiamento público exclusivo e o fim das coligações para cargos políticos proporcionais. Essas são as principais ideias que teriam que ser aprovadas para melhorar o desempenho do processo eleitoral.
Agora, pensando no sistema político como um todo, temos que corrigir o desequilíbrio que existe entre os poderes legislativo, executivo e judiciário. Por omissão do Congresso, muitas vezes o poder executivo legisla em lugar do legislativo, através de medidas provisórias. E o Judiciário também extrapola de sua competência e cumpre a função do poder legislativo através de resoluções. Como por exemplo, a resolução da fidelidade partidária, onde o Congresso se omitiu. Ou se faz uma ampla, estrutural, sistêmica reforma política no país, ou as distorções que existem dificilmente serão eliminadas.
Fórum - No seu discurso no ato pela liberdade de imprensa, a senhora afirmou que a reação raivosa da direita brasileira é por conta da eleição do operário Lula como presidente, e também porque Dilma poderá ser eleita a primeira presidente mulher na história do país. A senhora enxerga uma radicalização do discurso da direita nessa campanha?
Erundina - Com certeza, isso é tão evidente. Sobretudo na mídia virtual, onde a direita se esconde atrás do anonimato. A disputa entre posições e ideias deve ser feita de forma transparente e publicamente, mas a direita não é ética para enfrentar essas questões. Eles não engolem até hoje a vitória do Lula, e querem impedir a consolidação de um governo democrático popular. Por isso estão lançando mão dos meios mais escusos, menos republicanos e éticos para impedir a vitória desse projeto, que é representado agora pela candidatura de Dilma Rousseff.
Fórum - Na sua opinião, como o povo deve fiscalizar e cobrar os meios de comunicação? Por que é tão difícil tratar de controle social da mídia?
Erundina - Primeiro por conta dessa distorção na compreensão de que uma concessão de um serviço público tem que atentar para o interesse público e tem que ser um serviço democratizado, fiscalizado e controlado pela sociedade civil, que é a detentora desse patrimônio concedido pelo Estado em nome da sociedade. Hoje no Brasil ainda não combatemos o oligopólio midiático que existe no país, onde quatro ou cinco grupos detêm todos os meios de comunicação.
A Constituição de 1988 criou o Conselho Nacional de Comunicação Social, que está há quatro anos sem funcionar porque o Senado, por omissão, não convoca uma sessão do Congresso para eleger novos conselheiros, já que os últimos estão com seus mandatos vencidos há quatro anos. Grandes acontecimentos aconteceram com o Conselho desativado, como a decisão sobre o sistema digital no Brasil, a realização da I Confecom e a criação da EBC (Empresa Brasileira de Telecomunicação). O Ministério Público Federal recentemente pediu explicações para o Senado sobre os motivos pelos quais o Conselho não está funcionando e, pelo que fiquei sabendo, o presidente do Senado está começando a articular alguns nomes para a presidência do novo Conselho.
Mesmo assim, esse mecanismo é insuficiente, por ser extremamente consultivo, de assessoria ao Congresso. Precisamos de um mecanismo com participação igual entre governo, sociedade civil e comunicadores. É o mesmo modelo do Sistema Único de Saúde (SUS), do ponto de vista da descentralização do sistema e do controle social sobre a política de saúde. Seria um Conselho Nacional de Comunicação baseado no controle da sociedade civil sobre a política de comunicações.
Fórum - A senhora costuma afirmar que não há neutralidade na política. Como encara, então, o posicionamento de Plínio de Arruda Sampaio e Marina Silva no segundo turno eleitoral?
Erundina - Acho que a neutralidade já é uma posição política, pois ela serve a alguém. A decisão de uma pessoa que teve 20 milhões se manter neutra interessa a alguém. Não é o caso do Plínio, que contribuiu para o debate por conta de seu prestígio e da importância que ele tem na política brasileira.
Não costumo abrir mão do poder de decisão que a legislação me delega, tenho que me posicionar e assumir as consequência pelas minhas decisões. Prefiro errar pelo excesso e eventualmente estar equivocada do que errar porque outros decidiram por mim.
Fórum - Em 2006, o PSB elegeu uma bancada de 27 deputados federais na Câmara, e agora o partido elegeu 34. Em sua opinião, quais fatores fortaleceram as candidaturas do PSB nos últimos quatro anos?
Erundina - O PSB tem sido um partido muito zeloso do ponto de vista da ética e do compromisso político com as suas decisões. Se manteve fiel na condução da política do governo Lula e tomou decisões, por exemplo, em relação a política econômica, reforma agrária e tributária, entre outros temas mais estruturais.
Além disso, o sucesso dos seus governos, como o de Pernambuco, o do Ceará; o desempenho das nossas bancadas minoritárias no Congresso, mas com muita capacidade de articulação política; e a presença da militância do partido no movimento sindical, social e de mulheres.
O partido acumula força política pretendendo conquistar o poder maior da República. Mas sempre, entende que a composição de forças políticas e o projeto de desenvolvimento do país para a construção de uma nação mais soberana e desenvolvida é o eixo que orienta sua política de alianças e coligações.
Fórum - Hoje, quais nomes fortes do PSB podem pensar em uma candidatura à presidência em 2014?
Erundina - Depende da conjuntura. Temos muitos nomes como, por exemplo, o Eduardo Campos (governador de Pernambuco), que tem um índice de aprovação de mais de 80% no estado por transformar o estado. Mas mais do que nome, temos que pensar na afirmação do projeto através de um diálogo da sociedade, para sabermos se há uma demanda específica da sociedade, seja em âmbito municipal, estadual ou federal.
Fórum - Durante o primeiro turno, a senhora declarou apoio a Mercadante, ao invés do candidato a governador do seu partido, Paulo Skaf. A direção do PSB foi autoritária ao impor essa candidatura?
Erundina - Houve uma decisão unilateral, centralizada e não discutida com as instâncias do partido aqui no estado. A executiva estadual em nenhum momento se reuniu para decidir sobre essa candidatura. E não só eu, mas muitos outros companheiros e companheiras não concordaram com essa candidatura, que foi equivocada.
Por outro lado, eu entendia que não era só pelo potencial eleitoral que eventualmente o Skaf poderia representar o partido. E sim pela incoerência que representou sua candidatura no partido, que na minha avaliação deva ser um partido socialista. Não é por uma questão pessoal ou pelo fato de ele ser empresário. E sim pelo simbolismo que ele representa como presidente da FIESP num partido socialista. O Skaf, por exemplo, é contra as 40 horas semanais na jornada de trabalho. Então é uma pessoa incompatibilizada com os compromissos partidários. Houve uma incoerência que, a meu ver, não inspirou confiança nos trabalhadores e aposentados, isso foi prejudicial para o PSB.
Fórum - Tiririca foi o deputado mais votado para representar o estado de São Paulo na Câmara. Na sua opinião, a que se deve essa expressiva votação?
Erundina - Acho que o desempenho da candidatura do Tiririca expressa as deficiências do nosso sistema político eleitoral partidário. Certamente o seu partido o lançou como candidato para eleger outros nomes que provavelmente teriam mais dificuldades de se elegerem sem a votação no Tiririca.
A Constituição lhe reconhece os direitos de ser candidato. Não é por ele ser analfabeto que vamos cobrar isso dele. Porque quando ele se filiou ao partido e propôs sua candidatura não fizeram um teste prévio, que impedisse os analfabetos de serem candidatos? Esse é um ponto que deveria ser tratado e resolvido em uma reforma política. Então ele é um deputado do nosso sistema político, que precisa passar por uma reforma.
Revista Fórum
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