quarta-feira, 21 de julho de 2010

Alceu elogia Pontos de Cultura e diz que novo tempo "chegou"


Com 38 anos de carreira, o cantor e compositor pernambucano Alceu Valença continua criativo, rebelde, crítico da indústria cultural, da importação de modelos e da falta de divulgação dos artistas brasileiros. Perto de completar 64 anos, em julho, continua com a vitalidade dos anos 1980, auge de sua carreira, e ainda cativa o público jovem, que revisita suas canções, olha com curiosidade para seus novos trabalhos, suas misturas de sons e ritmos.
Herdeiro musical de Luiz Gonzaga, de Jackson do Pandeiro e de Dorival Caymmi, Alceu deu novo brilho aos ritmos regionais, como baião, coco, toada, maracatu, frevo, caboclinhos, embolada, repentes. Em seu primeiro disco, lançado em 1972 em dobradinha com Geraldo Azevedo, já punha um tempero rock’n’roll nas batidas tradicionais nordestinas que continuaram marcando docemente o compasso de sua história musical, inclusive nos clássicos como Coração Bobo, Espelho Cristalino, Morena Tropicana, La Belle d’Jour, entre outros.

Nas letras das canções Papagaio do Futuro e Espelho Cristalino, ainda nos 70, Alceu já expunha a questão ambiental. O artista, aliás, sempre foi um inquieto “militante” da diversidade cultural brasileira. E da esperança, sentimento presente em muitas de suas letras, falando de amor ou da natureza.

Em suas turnês pelo exterior, o pernambucano influenciou artistas americanos, europeus e brasileiros das gerações mais recentes como Chico Cesar e Zeca Baleiro. Foi um divulgador do movimento manguebeat, de Chico Science e o Nação Zumbi. E considera que as imposições estéticas do imperialismo cultural americano e a falta de divulgação por parte dos veículos de comunicação de massa ainda dificultam o surgimento de novos artistas no país.

Com 28 álbuns lançados, Alceu Valença surgiu para o grande público na apresentação ao vivo no 7º Festival Internacional da Canção – tido como o último dos grandes –, com Papagaio do Futuro.

Era 1972, o clima de ebulição dos episódios anteriores não era mais tolerado pela ditadura, a Globo cedia a todas as pressões e as caras começaram a mudar. Despontavam nomes como Belchior, Ednardo, Fagner, Walter Franco, Raul Seixas, Sérgio Sampaio. A fase nacional foi vencida por Fio Maravilha (de Jorge Ben, com Maria Alcina), e Diálogo, samba de Baden Powel e Paulo César Pinheiro.

Alceu não figurou entre os primeiros, mas levantou a plateia ao se apresentar na companhia de Geraldo Azevedo e Jackson do Pandeiro. “Estou montado no futuro indicativo/ Já não corro mais perigo/ Nada tenho a declarar/ Terno de vidro costurado a parafuso/ Papagaio do futuro/ Num para-raio ao luar.../ Eu fumo e tusso/ Fumaça de gasolina/ Olha que eu fumo e tusso/ É fumaça de gasolina.”

Nos anos 1980 emplacou um clássico que fez história, o disco Cavalo de Pau, e nos anos 1990 outro, O Grande Encontro, na companhia de Geraldo Azevedo, Zé Ramalho e Elba Ramalho.

Alceu é um entusiasta dos Pontos de Cultura, programa criado pelo Ministério da Cultura em 2005 que, por meio de convênios, fortalece iniciativas artísticas desenvolvidas pela sociedade civil nas comunidades. Atualmente, existem mais de 650 deles espalhados pelo país: “Esse projeto favorece realmente os mais carentes, mas a barreira ainda está na mídia, na imprensa. Precisamos aprofundar a discussão e a divulgação da cultura brasileira, que têm de ser em escala bem maior”, disse numa entrevista.

Em seu blog, o músico expressou assim a percepção de mudanças que vêm acontecendo no país: “Desde o início da minha carreira, botei o pé na estrada, me doía ver a miséria berrante da maior parte de nossa gente, quase sempre negros, caboclos, quase sempre nordestinos. Mês passado, ao viajar, em busca de locações para a Luneta do Tempo, pelo interior do agreste de Pernambuco (São Bento, Pesqueira, Alagoinha, Cimbres), me comovi vendo que os lugares por onde passei estão caminhando para um nível de vida mais digno. As cidades estão mais limpas, as casas bem pintadas, as praças ajardinadas, o povo mais feliz. Tenho consciência que precisamos avançar muito mais, sobretudo, na educação e na saúde. Cada vez mais acredito no Brasil e em nossa gente”.

E a esperança e a alegria que marcam sua poesia e sua música parecem continuar firmes na sua forma de pensar e ver o Brasil: “Demorou, mas chegou. Um novo tempo. Conseguimos resistir, por décadas, a toda sorte de colonialismo, intempéries sociais, econômicas e políticas. Saímos fortalecidos, mais maduros, sabendo, inclusive, que o processo está no início e que, portanto, precisamos continuar trilhando esse novo caminho. Não precisamos mais seguir a cartilha de ninguém. Agora negociamos com países africanos, árabes, europeus e asiáticos sem tutor e sem chancela de ninguém. Alegria, minha gente, alegria...”


Fonte: Rede Brasil Atual

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